sexta-feira, 14 de maio de 2010

Mostra Jean Rouch está no Recife



A partir de hoje, a Fundação Joaquim Nabuco recebe uma mostra inédita com 37 filmes do documentarista e etnólogo francês Jean Rouch (1917-2004). Celebrado como inovador do cinema antropológico e da própria linguagem audiovisual, ao longo de mais de uma centena de títulos. Rouch desenvolveu metodologia intervencionista, em que a câmera e o próprio diretor participam da ação tanto quanto os personagens, que por sua vez, assumem o papel ativo no processo criativo. Sua influência, primeiramente identificada na Nouvelle Vague francesa e no Cinema Novo brasileiro, perdura até hoje, em realizadores contemporâneos.

Organizada pelo curso de cinema da UFPE, em associação com a Fundaj e apoio da Aliança Francesa, a Mostra Jean Rouch chega ao Recife por iniciativa da Associação Balafon e patrocínio do Ministério da Cultura. A programação ainda inclui debates e seminários, na Sala João Cardoso Ayres e no Cinema da Fundação. A entrada é franca e todos os filmes contam com legenda em português. A mostra, que já passou por Salvador, Belém, Porto Alegre, João Pessoa, e após o Recife encerra a itinerância em Natal, faz parte da retrospectiva de 91 filmes organizada em 2009, em virtude do Ano da França no Brasil.

"Escolhemos o que há de mais bonito e representativo das facetas de seu trabalho", diz o mineiro Mateus Silva, curador da mostra. Ele diz que esta é a oportunidade de ter acesso a filmes que nunca circularam, já que menos de dez títulos estão disponíveis comercialmente no Brasil. "É pouco para um cineasta com mais de 120 filmes".

Já neste primeiro fim de semana, serão exibidos dois filmes essenciais de Rouch: Moi, un noir (Eu, um negro) e Chronique d'un été (Crônica de um verão, com Edgar Morin). Na segunda-feira, mais dois clássicos: Jaguar e La chasse au lion à l'arc (Caçada ao leão com arco). Neles, é notável a desenvoltura com que Rouch alia a busca pelo real com recursos do cinema de ficção. "Ele juntou Lumière com Méliès", diz Camilo Soares, que organiza a mostra com Laécio Ricardo, ambos do Departamento de Cinema da UFPE.


Jaguar


Os mestres loucos

Soares, que conheceu e entrevistou Rouch um ano antes de sua morte, diz que o conceito do "cinema-verdade" por ele criado com Morin é influência do cineasta russo Dziga Vertov e sua verve africanista. "Suas bases estão no formalismo russo da câmera-olho e na subjetividade absorvida na África, que valoriza o processo, a experiência. "A partir da realidade, ele reivindica a subjetividade não só dele como dos personagens".

Amanhã (sábado), Les maîtres fous (Os mestres loucos) mostra um ritual em que negros mimetizam os brancos e suas relações de poder. Uma das cenas traz pessoas comendo carne de cachorro. Quando mostrou o filme no Museu do Homem, foi pedido para que ele queimasse o filme imediatamente. Rouch negou, contrariando inclusive seu mestre, Marcel Griaule.

"Ele não queria fazer filmes limpos, mas para que os europeus pudessem compreender uma sociedade não só desconhecida, mas negligenciada", diz Soares. Na quinta, a mostra traz a versão curta de Petit a petit (Pouco a pouco), em que um grupo de nigerianosinvestigam o modo de vida francês. "É uma inversão bem-humorada do sentimento de superioridade dos europeus com relação aos africanos".

(Diario de Pernambuco, 14/05/2010)

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