segunda-feira, 13 de junho de 2011

O homem que pensou as cidades



Nos anos 1920, um imigrante ucraniano chegou ao Brasil. Quando saiu de Odessa, Gregori Warchavchik era apenas mais um jovem a fugir das convulsões sociais do Leste Europeu. Ao chegar em São Paulo, encontrou uma cidade tomada pelo vigor das vanguardas culturais. Com os auspícios de Lúcio Costa e Mário de Andrade, se tornou um dos nomes mais importantes da arquitetura modernista brasileira.

A história de Warchavchik está contada no livro Warchavchik - fraturas da vanguarda (Cosac Naify, 552 páginas, R$ 95), que será lançado hoje, às 19h, na Livraria Cultura (Paço Alfândega - Recife Antigo). Além do texto, rico em detalhes biográficos e históricos, seu autor, o arquiteto e filósofo José Lira organizou 359 ilustrações e 25 projetos redesenhados especialmente para a edição.

A obra é o mais detalhado estudo a respeito do arquiteto, peça-chave para entender o pensamento que por décadas regeu o conceito das cidades. Dois de seus pupilos, Luiz Nunes e Burle Marx, ecoaram essas ideias no Recife, em obras como as praças da Madalena e Casa Forte, o Hospital do Derby, a Escola Alberto Torres (Tejipió), a sede do IAB (antigo Pavilhão de Óbitos) e a insuspeita caixa d’água do Alto da Sé, em Olinda. Sem falar de Garanhuns, que abriga um dos maiores e mais preservados casario modernista do país.

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Lira justifica a volta aos clássicos a partir de motivações bem contemporâneas. “Sou nascido no Recife e cada vez que eu retorno à cidade fico mais assustado com o congestionamento, problemas de saneamento, má conservação urbana, sujeira e, por outro lado, o surgimento de mais avenidas, carros e novos condomínios. Se os arquitetos não se posicionarem em novas propostas, em algum momento a cidade e o meio-ambiente vão se manifestar de maneira negativa. Não é problema não só do Recife, nem só dos arquitetos. Mas é algo que devemos nos preocupar”.

Entrevista>> José Lira: “Warchavchik se faz modernista no Brasil”

O que te levou à obra de Warchavchik?
Em 1997 desenvolvi uma tese sobre como o processo cultural no Recife ressoava em temas arquitetônicos a partir da relação entre modernistas e regionalistas, onde Gilberto Freyre surgiu com muita força. Logo depois comecei a estudar a biblioteca de Mário de Andrade, onde a relação entre arquitetura e cultura se tornou mais visível. O trabalho sobre Warchavchik começou efetivamente em 2005, quando desenvolvi o primeiro manuscrito da tese de livre docência.

Como foi feita a pesquisa?
Basicamente, ela foi feita junto ao acervo do próprio Warchavchik, cujos desenhos foram doados à FAU e as fotografias estão com sua família. Na Europa, o processo foi entrecortado pois não existe relação diplomática sólida entre a Ucrânia e o Brasil. Em Odessa tinha dois ou três contatos sólidos que me ajudaram a perceber o ambiente cultural em que ele se formou. Eles estavam fascinados com o fato de um odessita ter ficado famoso no Brasil. Também descobri que ele tinha estudado arquitetura numa escola de lá, informação que nem o próprio Warchavchik revelou em vida.

Warchavchik trouxe ao Brasil influências do modernismo europeu?
Minha tese é que ele se faz modernista no Brasil. Há mitos em torno de Warchavchik, que para o bem, apontam para ele como o estrangeiro superior, que traz o novo para o Brasil. E para mal, afirmam que ele não fez mais do que importar o modernismo. Meu trabalho mostra que a passagem da Europa para o Brasil é mais complexa. Não há quaisquer evidências de uma atuação de vanguarda em sua vida pregressa. Ele veio ao Brasil à procura de trabalho, e não porque tinha uma missão a cumprir. Aqui, no círculo dos modernistas brasileiros, ele entra em contato com as revistas europeias, ou seja, do Brasil ele descobre a Europa.

Naquela época, o que significou a chegada da arquitetura modernista para as cidades brasileiras?
Ainda que o significado cultural do modernismo tenha sido imenso, sua presença na arquitetura era muito reduzida. Havia ressonância na imprensa e alguns círculos intelectuais, mas o impacto urbanístico foi pequeno se comparado aos anos 1950, quando a arquitetura moderna brasileira estava consolidada.

O modernismo continua presente na arquitetura contemporânea?
Sim, estamos falando de uma geração que conseguiu dar novo sentido à cidade. Isso ressoa na contemporânea como um exemplo de ousadia, de sintonia com seu tempo, de inquietação com as rotinas. Do ponto de vista de produção, também há conceitos que subsistem, sobretudo num país como o Brasil, que de um lado produziu uma cultura arquitetônica moderna sólida, heterogênea, das mais emblemáticas do mundo. Apesar disso, ela não conseguiu resolver alguns problemas que se propôs, como a produção de habitações econômicas, o estabelecimento de padrões vitais para a moradia, de valores mínimos para a existência, questões atuais num país com déficit habitacional gigantesco.

O que podemos aprender com os arquitetos modernistas?
Warchavchik é filho de uma geração que percebeu a importância dos arquitetos saírem dos escritórios, e das questões corporativas para pensar na produção da cidade, do espaço, de oferecer respostas às necessidades básicas da sociedade. Hoje os arquitetos, engenheiros e as pesquisadores de mercado trabalham com critérios muito mesquinhos, que desrespeitam o patrimônio histórico e ambiental. No Recife, por exemplo, que tem solo extremamente poroso e irrigado, isso repercute em caos e pode, no futuro, culminar em destruição.

Um dos desafios da cidade moderna é a verticalização vertiginiosa, de apropriação parasitária, proveniente de investimento especulativo que não respeita princípios mínimos de racionalidade urbanística, ambiental, cultural, que destrói o solo urbano, recursos ambientais e leva a congestionamentos brutais. Claro hoje há outros poderes atuantes, mas naquele tempo já havia a incorporação imobiliária e os modernistas encontraram respostas muito criativas para a verticalização da cidade. A geração atual de arquitetos poderia olhar mais atentamente para arquitetos no Recife, como Delfim Amorim, Lúcio Estelita, Acassio Vorsoi, Maurício Castro, que produziram arquiteturas valiosas no centro da cidade. Quem no Recife teria a ousadia de pensar soluções de uso misto, como os edifícios comerciais e residenciais? Ou apartamentos de tamanhos muito diferentes no mesmo projeto? São soluções ousadas, que revelam uma visão de sociedade, espaço urbano e doméstico mais cosmopolita.

(Diario de Pernambuco, 13/06/2011)

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