segunda-feira, 20 de junho de 2011

Cenas de demolição explícita



Nos últimos tempos, o cinema local tem sido pródigo em questionar os descaminhos do Recife enquanto projeto de cidade. Ninhos antigos, de Osman Godoy, é o mais novo manifesto nesse sentido. O documentário será exibido hoje, às 19h, no Cinema da Fundação (Derby). O média-metragem (40 minutos) é a contribuição de Godoy para um projeto maior, coordenado pelo professor de arquitetura Denis Bernardes, dedicado a estudar as moradias da capital pernambucana entre 1850 e 1930.

Em seu melhor momento, a produção refaz o percurso filmado nos anos 1920 pelos pioneiros do cinema Ugo Falangola e J. Cambieri. Diálogo vital com Veneza americana, concebido para mostrar um Recife moderno, desprovido de traços coloniais. Godoy, que se lançou no cinema durante o ciclo do Super 8, revisita essas imagens como forma de refletir o destino da cidade e valorizar seu registro, sua memória.

“Fiz amizade com Denis Bernardes quando na produção do documentário Caneca e a confederação do equador”, conta Godoy. Dali surgiu a ideia de fazer a pesquisa Recife em transformação - modos de morar e construir, aprovada pelo Funcultura, da qual participou um grupo de arquitetos e a socióloga Márcia Mansur, que conduziu as entrevistas. “Quis fazer um filme que mostrasse o sentimento da equipe, que localizou casas prestes a ser demolidas, conversou e sentiu o drama dos moradores. Pensei neste documentário sobre educação patrimonial como uma tentativa quixotesca de barrar esse processo”.

Entre os depoimentos estão o da arquiteta Amélia Reinaldo, da escritora Luzilá Gonçalves (que abriu sua casa no Poço da Panela) e o de Dona Virgínia Azevedo, de 78 anos, que nasceu Rua da Hora e acompanhou sua história. Do interior de uma loja de roupas, onde compra uma camisola, ela mostra onde ficava a casa de Mário Mello e, andando na calçada, se surpreende ao encontrar uma farmácia onde, diz ela, há dois meses havia uma casa.

“As pessoas vão se rendendo. As construtoras fazem propostas irrecusáveis. Os idosos resistem, mas até certo ponto. Depois abandonam suas casas não só por dinheiro, mas porque os vizinhos já se foram, os familiares mais novos se mudaram para Boa Viagem”, diz Godoy. Há um tom de lamento, o de que, salvo exceções, a inexorável marcha do progresso passa por cima do patrimônio arquitetônico. Imagens como as da demolição de um casarão histórico, falam mais alto do que qualquer palavra.

O diretor não estará na exibição de hoje, pois está no Festival de Cinema de Jericoacoara (CE), onde foi convidado para ser membro do júri. O representa sua filha Hanna Godoy, produtora do filme, e Denis Bernardes, que conversam com o público depois da sessão.

(Diario de Pernambuco, 20/06/2011)

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