sábado, 3 de abril de 2010

Chico Xavier das multidões



Não é à toa que a cinebiografia Chico Xavier entra hoje em cartaz em cerca de 350 cinemas do Brasil. O motivo mais óbvio é a comemoração do centenário de nascimento do médium cuja notoriedade extrapolou os limites da doutrina espírita.Mas não devemos desprezar o potencial da data coincidir com um feriado cristão. Tendo nas mãos um personagem por um lado famoso e querido, por outro alvo de acusações que vão da heresia ao charlatanismo, os executivos da Sony, Downtown e Globo Filmes sabem que têm nas mãos um tema tão lucrativo quanto delicado.

Um dos termômetros para a aposta é meramente censitário. Apesar do país ser majoritariamente católico e ter uma ascensão galopante de protestantes, ele representa a maior população espírita do planeta, algo em torno de 2,2 milhões de pessoas. Não deve ter passado batido para a produção a "zebra" que foi Bezerra de Menezes - diário de um espírito, uma das maiores bilheterias de 2007 (330 mil espectadores).

Esse filão de mercado deve ser explorado mais vezes durante o ano. Inspirado em livro de Xavier, Nosso lar, de Wagner Assis, chega com produção luxuosa: fotografia de Ueli Steiger (O dia depois de amanhã, 10.000 AC, Godzilla), efeitos especiais da Intelligent Creatures (Fonte da vida, Babel e Watchmen) e música original de Philip Glass. Em produção está As mães de Chico, de Glauber Filho (o mesmo de Bezerra de Menezes), onde o ator Nelson Xavier volta a encarnar o personagem.

Por sinal, o DVD duplo com o programa de TV que tornou Chico Xavier famoso nacionalmente (Pinga fogo, de 1971) é um dos títulos mais vendidos da distribuidora Versátil. Não por acaso, é nesse interessante documento que se estrutura o filme dirigido por Daniel Filho (Se eu fosse você 1 e 2). Por isso e algo mais, fica difícil acreditar que a única preocupação dos produtores dessa telelágrima de luxo é divulgar a mensagem de Chico Xavier. Seria muito altruísmo da parte dos donos de um produto que provavelmente será a maior bilheteria do cinema nacional de 2010.

Ao custo de R$ 11 milhões, Chico Xavier foi pensado em cada detalhe para ressaltar os aspectos positivos e minimizar o que há de questionável no biografado. É quase um panfleto em prol do espiritismo, com um forte verniz católico traduzido na relação de admiração mútua entre Chico e o padre Scarzelo (Pedro Paulo Rangel), desde a infância. Já adulto, reconhecido, a recusa do novo pároco (Cássio Gabus Mendes) é mostrada como postura obscurantista, já que o médium, sempre pronto a trazer conforto emocional e dar a outra face à mais vil das criaturas só pode ser um santo. Em nenhum momento o personagem apresenta falhas de caráter. Em compensação, sofre muito.

Ao longo do filme, acompanhamos Chico Xavier em três fases da vida. Na infância (vivido por Matheus Costa), sob castigos da madrinha (Giulia Gam) ele já apresenta sinais de mediunidade. Na idade adulta, na pele de Ângelo Antônio, quando descobre que seus poderes podem trazer alívio para os que perderam entes queridos. E na maturidade, em que Nelson Xavier o incorpora com semelhança assombrosa. Nos bastidores do estúdio de TV, o diretor do programa (Tony Ramos) protagoniza uma subtrama dramaticamente pobre com sua esposa (Christiane Torloni), que perdeu o filho em situação trágica e acredita que o famoso espírita pode ajudar a elucidar o caso. E tome chororô.

(Diario de Pernambuco, 03/04/2010)

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