sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Os melhores de 2010

Relembrar é viver. Foram muitos filmes em 2010 e aí vai minha lista dos melhores filmes exibidos no circuito nacional.


A fita branca, de Michael Haneke


O escritor fantasma, de Roman Polanski


O que resta do tempo, de Elia Suleman


Vício frenético, de Werner Herzog


Deixa ela entrar, de Tomas Alfredson


À prova de morte, de Quentin Tarantino


Vincere, de Marco Bellocchio


O segredo dos seus olhos, de Juan José Campanella


A rede social, de David Fincher


O fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson


Scott Pilgrim contra o mundo, de Edgar Wright


Kick-ass, de Matthew Vaughn

Retrospectiva 2010 // Um ano atípico para o cinema

2010 foi um ano atípico para o cinema. Para os brasileiros, a principal notícia é que produtos nacionais derrubaram a supremacia gringa. Tropa de Elite 2, Nosso Lar e Chico Xavier atraíram quase 20 milhões de brasileiros aos cinemas. Isso quer dizer que Capitão Nascimento não bateu apenas em traficantes e políticos corruptos mas em Avatar, Shrek, Eclipse e Toy Story 3. Com 11 milhões de espectadores e mais de R$ 100 milhões arrecadados, Tropa 2 é o filme nacional mais visto das últimas décadas e a maior bilheteria de todos os tempos. Com distribuidora própria (Zazen), desafia também um sistema dominado pelas norte-americanas Sony, Warner, Fox, Universal e Disney.

Antes de comemorar uma suposta vitória coletiva, um contraponto: Capitão Nascimento salva a própria pele, não o cinema nacional. Tropa 2, Chico Xavier e Nosso Lar cumpriram o seu papel e ocuparam todos os espaços possíveis. Nisso, filmes nacionais com bom potencial de público, como Antes que o mundo acabe e Reflexões de um liquidificador, perderam seu espaço. Essa lógica impediu o surgimento de filmes médios, entre 100 mil e 1 milhão de espectadores. O médio se tornou o grande que não deu certo. Como Lula - o filho do Brasil, que não passou dos 800 mil. Sem desmerecer o fenômeno Tropa 2, são questões a se pensar para que 2010 não seja um caso à parte.

À sua maneira, Hollywood também contrariou o padrão blockbuster quando deixou Avatar chupando o dedo e concedeu os prêmios principais do Oscar a Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow, primeira mulher a ganhar a estatueta de melhor direção. Assim, a Academia repete seu elogio às produções pequenas - Guerra ao Terror custou US$ 10 milhões – e autorais (Onde os fracos não têm vez, dos Coen, venceu em 2008; Quem quer ser um milionário, de Danny Boyle, em 2009). O recado foi claro: tecnologia é importante mas não é tudo. Na prática, no entanto, vampiros, lobisomens, bruxos, monstros verdes, bichinhos e brinquedos continuaram a mover as engrenagens do cinema pipoca.

2011 não será diferente. O selo “também em 3D” será o mais reproduzido nos materiais de divulgação de mais da metade dos grandes lançamentos como Zé Colmeia, Thor, Capitão América, Rio (de Carlos Saldanha), Besouro Verde, Piratas do Caribe e o último Harry Potter. No Brasil, o mercado se prepara e já conta com 268 salas equipadas com a tecnologia de exibição. Em 2008, eram apenas 20. Hoje representam mais de 10% do parque exibidor. No Recife, a UCI Ribeiro acaba de inaugurar três novas salas.

Enquanto isso, o maior festival do mundo radicalizou ao conceder Palma de Ouro para Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas (Tailândia), de Apichatpong Weerasethakul. Para Cannes, a luz no fim do túnel surge de um filme estranho e inventivo, considerado um alienígena em seu próprio país. Em Veneza a premiação pegou mal para o presidente do júri, Quentin Tarantino, que agraciou a ex-namorada Sofia Coppola (Somewhere) com o Leão de Ouro e seu “discípulo” Alex de La Iglesia (Balada triste de trompeta) com o Leão de Prata. Em Berlim, Roman Polanski foi impedido de receber o Urso de Prata de melhor diretor por O escritor fantasma, também vencedor do European Film Awards. O filme foi finalizado em prisão domiciliar na Suíça, onde permanece detido. Outro cineasta foi preso pelo governo de seu país. O iraniano Jafar Panahi foi condenado a seis anos de reclusão e proibido de realizar filmes nas próximas duas décadas. Cinema também é subversão.

2010 também foi um ano de grandes perdas, entre elas Blake Edwards (88 anos), Mario Monicelli (95 anos), Irvin Kershner (87 anos), Eric Rohmer (89 anos), Dino de Laurentis (91 anos) e os atores Dennis Hopper (74 anos), Tony Curtis (85 anos) e o comediante Leslie Nielsen (84 anos). Em Pernambuco morreu Germano Coelho (52 anos), produtor de e="font-style:italic;">Baile perfumado.

Ano que vem – Na esteira do ano do espiritismo no Brasil, 2011 ainda reserva o derradeiro As mães de Chico Xavier. Mas a estreia recente de Muita calma nessa hora aponta para o retorno das comédias. Entre as estreias do primeiro semestre estão De pernas pro ar (com Ingrid Guimarães), Qualquer gato vira-lata (com Cléo Pires), Cilada.com (Bruno Mazzeo), Família vende tudo (com Caco Ciocler e Luana Piovani) e o novo de Hugo Carvana Não se preocupe, nada vai dar certo. Entre os infantis estão Brasil animado 3D, Uma professora muito maluquinha e Desenrola. Possíveis hits são Bruna Surfistinha, VIPS e Xingú, em que Cao Hamburguer dirige a história dos irmãos Villas-Boas, vividos por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat.

Vitalidade - 2010 já é um ano memorável para o cinema feito em Pernambuco. Ao longo do ano várias produções em 35mm foram rodadas no estado, entre elas, País do Desejo, de Paulo Caldas, O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, Febre do rato, de Cláudio Assis e Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes. Todos devem estrear em 2011, quando serão produzidos Sangue azul, de Lírio Ferreira e Tatuagem, de Hilton Lacerda.

Igualmente inédito é o volume de produções independentes sendo realizadas em suporte digital, patrocinadas por editais cada vez mais generosos do governo estadual e por recursos federais. Com 65 trabalhos exibidos, o Festival de Vídeo de Pernambuco é a maior vitrine dessa produção. Outra leva foi feita na base da “guerrilha”, com recursos da própria equipe. Vencedor do último Festival de Brasíla, o curta Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros, é um deles.

Outros curtas multipremiados este ano são Recife frio (mais de 40 prêmios em 11 países), de Kleber Mendonça, Faço de mim o que quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio de Lorena, As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro e Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante, presentes na maioria dos festivais nacionais. O documentário Do Morro?, dos estreantes Mykaela Plotkin e Rafael Montenegro, surpreendeu ao estrear no Cine PE e circular em mais de 20 festivais do Brasil.

A volta do Cine São Luiz está entre as melhores novidades do ano. Apesar disso, o palácio do cinema pernambucano precisa definir melhor sua atuação. Durante o ano, ele virou pomo da discórdia entre o programador Lula Cardoso Ayres e a Fundarpe, que administra o local. A queda de braço diz respeito, de um lado, à exibição de filmes que atraíram pouco público, e por outro, ao excesso de eventos que impedem uma programação capaz de formar plateias.

Pernambuco também viu em 2010 o ator Irandhir Santos se estabelecer entre os grandes nomes do cinema nacional. Principalmente ao interpretar o deputado Fraga, um dos protagonistas de Tropa de Elite 2, mas também em Quincas Berro D’Água, Olhos Azuis e em breve em A hora e a vez de Augusto Matraga, O som ao redor e Febre do rato.

Série Novos Olhares // Um cinema que não sei de cartaz


Walter Carvalho e Cláudio Assis no set de Febre do Rato

O cinema feito em Pernambuco vive um momento inédito. Se sua história é contada em ciclos, este já pode ser considerado o maior e mais fértil. Nunca tantos filmes foram realizados, aplaudidos e premiados como nos últimos anos. Somente na temporada 2009-2011, cerca de duas dezenas de longas em suporte digital ou 35mm estão em fase de preparação, produção ou finalização. Em 2010, seis longas foram rodados no Recife, três com distribuição nacional garantida.

Se num primeiro momento a urgência em se fazer filmes superava as reais condições para realizá-los, hoje não podemos dizer o mesmo. Temos equipamentos, mão de obra especializada, formada em cursos técnicos e prestes a alcançar nível superior, em cursos de graduação oferecidos por três universidades locais. Não por acaso, no começo de outubro o recém-criado curso de cinema da UFPE foi sede do 14º Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema - Socine.

Essencial para movimentar a cadeia produtiva, o fomento oferecido por órgãos públicos tem sido exemplar. Em 2008 o governo do estado criou edital específico para projetos do audiovisual, o último no valor de R$ 8 milhões. Um terço a mais do que o anterior, quando 95 roteiros de curtas e 35 de longas pleitearam recursos. Nos últimos quatro anos, R$ 33 milhões foram investidos no setor. Festivais se fortalecem e multiplicam, inclusive no interior.

Para Paulo Caldas, que finaliza seu quarto longa, País do desejo, o atual panorama se explica por uma série de fatores, que podem ser resumidos pelo status acumulado nos últimos 20 anos, quando foi retomada a produção no estado. "Esse respaldo é o nosso grande trunfo. Quem trabalha com cinema há mais tempo, percebe a transformação".


Equipe de O som ao redor comemora o fim das filmagens Foto: Victor Jucá

Kleber Mendonça Filho, que acaba de rodar O som ao redor, arremata: "É incomparável. Com novos processos técnicos e iniciativas se espalhando, a própria ideia de fazer um filme não é mais absurda. É um pouco do que se queria naquela época, acontecendo agora, com cinco longas produzidos em umano. Antes, acontecia um a cada década. Hoje, o país está muito bem financeiramente. E há muito dinheiro para cinema".


Hermila Guedes e João Miguel no Carnaval cenográfico de Era uma vez Verônica

Marcelo Gomes, que finaliza Verônica seu terceiro longa, afirma que vivemos um ano histórico para o cinema em Pernambuco. "Nunca se rodou tantos longas na cidade desde o Ciclo do Recife, nos anos 1920. Espero que o público assista a esses filmes, agora que temos mais salas exibindo o nosso cinema como o Cine São Luiz e o Cinema da Fundação".

Uma produção constante e sem sinais de cansaço pode colocar em xeque a tradição de ciclos do cinema local? "Talvez daqui a 20 anos possamos dizer que vivemos um ciclo, mas hoje apenas dizemos que se trata de algo diferente", afirma o crítico e professor de cinema Alexandre Figueirôa, que enumera uma série de fatores que cuminaram no bom momento para a produção pernambucana, como a proliferação de festivais e a abertura de outros mercados para difusão como o DVD e a internet.

Para ele, a ideia de ciclo vem de momentos específicos que, por razões sociais e econômicas, fez surgir períodos de maior produção em torno de um grupo de pessoas. "Mas basta olhar de perto para ver que nunca se deixou de produzir cinema em Pernambuco. Hoje é diferente porque temos um cinema dentro de uma perspectiva mais aberta, sem hierarquia. E que permite uma continuidade, com menos dependência do modelo institucional de grandes financiamentos. Isso gera longevidade. Por outro lado, sempre tivemos a tradição do audiovisual. Essa vocação, a partir do momento em que encontra cenário favorável, tende a se expandir".

No entanto, a dependência de recursos públicos leva a refletir sobre a fragilidade da cadeia produtiva. "A partir de Baile perfumado entramos num processo de sustentabilidade discutível", diz Paulo Cunha, pesquisador e um dos fundadores do curso de graduação em cinema da UFPE. "Espero que haja bom senso da gestão pública, já que a temos uma produção excelente que subsiste justamente pelo apoio estatal. Precisamos garantir que o nosso cinema continue a existir como é, poético, experimental, inovador e avançado. Isso gera um retorno não de bilheteria, mas de grande visibilidade. Seria fantástico dar mais segurança a isso. Caso contrário, essa fase que parece estupenda pode virar outro ciclo e se encerrar".

Muitos prós e alguns contras

Mais um fato inédito, hoje é possível realizar um longa com equipe 100% pernambucana. Quem garante é Cynthia Falcão, presidente da seção pernambucana da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD/PE), com 88 sócios. "Na concepção da ABD, não faltam profissionais de nenhuma área, do diretor aos técnicos de elétrica. Porém, quando se trata de finalizadoras, sabemos que as empresas especializadas em HD e 35mm ainda estão no Sudeste".

Outro passo à frente é a criação de uma subsede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica (Stic). "A maioria dos profissionais de cinema de Pernambuco não tem DRT na área. Eles querem regulamentar a atuação no estado, estipular um piso local, organizar melhor a categoria e a forma de trabalho. Pelo Stic, poderemos entrar em contato com as produtoras, estabelecer um diálogo com esse mercado", diz Cynthia.

A intensificação da atividade e demais conquistas, no entanto, não correspondem a um monitoramento adequado dessa produção. O último foi realizado em 2005 pelo Sebrae-PE. "Na época, atendemos o pleito do Sindicato da Indústria do Audiovisual e tivemos o apoio da Fundação Joaquim Nabuco, que usou a pesquisa para para buscar melhores políticas públicas, como a implantação do Centro Audiovisual Norte-Nordeste e a disponibilização da câmera 35mm para a região", diz Alexandre Ferreira Gomes, gestor de cultura Sebrae-PE (novo levantamento deve ser iniciado pela ABD-PE assim que terminar o período eleitoral).

Para os realizadores, também há o que melhorar. "De produção, para fazer a coisa andar, o Recife está muito bem servido. Mas a maquinaria utilizada ainda é precária no Recife. Também existe carência de profissionais para esse tipo de equipamento", diz Kleber. Entre os preparativos de Verônica, Marcelo Gomes entende que as novas tecnologias ajudam bastante, mas, por outro lado, fazer cinema está ficando mais caro. "Temos mais pessoas se especializando e nosso edital está mais aperfeiçoado. Mas ainda falta uma maior sensibilidade do empresariado".

Linha do tempo do cinema pernambucano

1902 - Primeira exibição de cinema no Recife, no animatógrafo da Rua da Imperatriz

1918 - Ugo Falangola traz o equipamento que deu origem à Pernambuco Film. Em 1924, exibem Veneza Americana

1923 - Gentil Roiz e Edson Chagas fundam a Aurora Filmes

1925 - Com roteiro de Ary Severo, Roiz e Chagas começam a filmar Aitaré da Praia

1927 - A filha do advogado, de Jota Soares, é exibido em 13 salas no Rio de Janeiro

1936 - Em parceria com a ABA Film, imigrante sírio Benjamin Abrahão filma de Lampião e seu bando

1942 - Newton Paiva e Firmo Neto rodam o longa O coelho sai, cuja única cópia foi destruida em incêndio

1952 - Alberto Cavalcanti dirige O canto do mar no Recife; José de Souza Alencar (Alex) foi assistente de direção

1960 - Instituto Joaquim Nabuco patrocina os documentários Aruanda, de Linduarte Noronha e A cabra na região semi-árida, de Rucker Vieira

1964 - Eduardo Coutinho começa a filmar Cabra marcado para morrer que só viria a concluir 20 anos depois

1969 - Fernando Spencer finaliza seu primeiro curta, A busca, em 16mm

1973 - Sérgio Ricardo filma em Nova Jerusalém A noite do espantalho; no elenco, Alceu Valença, José Pimentel e Geraldo Azevedo; 11 filmes pernambucanos se increvem na 2ª Jornada Nordestina de Curta-metragem de Salvador

1976 - Jomard Muniz de Britto dirige o curta O palhaço degolado

1977 - É criado o Grupo de Cinema Super 8 de Pernambuco

1978 - Cleto Mergulhão dirige O palavrão, o último longa-metragem pernambucano até o lançamento de Baile perfumado

1984 - Kátia Mesel funda a Arrecifes Produções e roda Bajado - um artista de Olinda

1985 - Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Adelina Pontual e Samuel Holanda fundam o grupo Van-retrô

1996 - Primeira exibição de Baile perfumado(foto), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, no Festival de Brasília

1997 - Primeira edição do festival Cine PE

2003 - Amarelo Manga, de Cláudio Assis é sete vezes premiado no Festival de Brasília

2005 - Cinema, aspirinas e urubus é exibido na seleção oficial da Mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes

2006 - Baixio das bestas, de Cláudio Assis, é eleito o melhor filme do Festival de Brasília e vence o prêmio Tiger de Melhor Filme no Festival Internacional de Roterdã, na Holanda

2007 - Deserto feliz, de Paulo Caldas, estreia no Festival de Cinema de Berlim; com o curta Décimo segundo, Leo Lacca é melhor diretor no Festival de Brasília; o longa Amigos de risco, de Daniel Bandeira, participa da mostra oficial.

2008 - Curta Muro, de Tião, é premiado no Festival de Cannes; KFZ 1348, de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso é premiado pela 32ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo.

2009 - Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz é exibido em Veneza; Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, participa de mais de 20 festivais no mundo; curtas Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante e Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, ganham prêmios do Festival de Brasília; Recife frio e Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, integram Festival de Roterdã.

(Diario de Pernambuco, 26/09/2010)

Série Novos Olhares // Cinema não se faz só com diretores


A prática pode ser uma grande escola. E por muito tempo a única, para quem quis aprender cinema em Pernambuco. A novidade é que a atual sequência de produções gerou um ambiente de continuidade e procura por mão de obra específica. Mais dinheiro para patrocínio e o consequente aumento do número de pessoas envolvidas são fatores que tem estimulado essa especialização. Isso contraria um movimento histórico, em que o grande objetivo era chegar ao posto de diretor. Hoje contamos com jovens assistentes de produção, direção, fotografia e especialistas em seleção e preparação de elenco, arte, figurino, continuidade e montagem.

“Desde o Ciclo do Recife cultivamos essa aura mitológica em torno dos diretores. Mas não se pode fazer um cinema só de diretores. O avanço dessa nova geração é que ela percebe que há muitas outras funções. De certa forma, isso cria um núcleo criativo de pessoas que trabalham com ligação emocional e profissional”, diz Paulo Caldas. Há poucos meses, com a realização de seu novo filme, País do Desejo, novos nomes foram agregados à equipe com quem trabalha há quase 20 anos. Além disso, o diretor estabeleceu parceria com o curso de cinema da UFPE, que mobilizou quatro alunos para produzir o making of.

“É um percurso curioso. Na época em que comecei, nunca entrei num set de filmagem que não fosse o meu”, diz Marcelo Pedroso, da Símio Filmes. “Não havia tantos filmes sendo feitos e a gente preferia pegar a câmera e sair filmando”. Com dezenas de filmes em dez anos de atividade, a própria Símio tem sido incubadora de novos profissionais. “Eles entram com um background que nunca tivemos, obtido via tecnologia da informação, um repertório muito grande. Há dez anos a internet ainda estava engatinhando, conseguir acesso a filmes era uma guerra. E hoje é possível assistir filmes de qualquer época ou nacionalidade. Sem falar que alguns estão estudando cinema na universidade, têm bastante propensão a assimilar conteúdo. Daqui alguns anos essa galera vai começar a fazer filmes e podem pintar boas surpresas”.

Kleber Mendonça Filho vê algo de inédito nessa possibilidade. “Esse tempo todo produzimos cineastas que estudaram cinema de forma empírica. Eu mesmo sou de uma geração que estudou jornalismo pra chegar mais perto do cinema. Estou muito interessado em ver os artistas que podem sair dessa escola”. Enquanto isso, o método tradicional de formação de cineastas continua valendo. Em agosto, o set de O som ao redor, seu primeiro longa, foi escola para Leo Lacca, Daniel Bandeira, Juliano Dornelles e Daniel Aragão, que devem utilizar a experiência em breve, em seus próprios filmes.

Marcelo Gomes, que aprendeu estagiando em produções enquanto estudava cinema
na Inglaterra considera Baile perfumado fundamental para sua formação. No seu set, ele diz ser primordial contar com sangue novo. “Já tinha esse pensamento quando rodei Cinema, Aspirinas e urubus, de chamar pessoas em início de carreira. Na época chamei Gabriel Mascaro, Daniel Aragão, Pedro Sotero. Eles vêm com novas ideias e informações, que a gente aprende com eles. Espero continuar isso agora, com o novo filme”. Em outubro, Gomes filmou Verônica, nome provisório para seu terceiro longa. “Cinema é um trabalho que demanda dez, às vezes doze horas de trabalho diário. Por isso é importante trabalhar com gente com muita energia e vontade de fazer cinema”.

Escola formal - Uma das consequências do cenário favorável para produção de filmes no estado é o surgimento de três cursos de graduação. O mais abrangente foi fundado ano passado, na Universidade Federal de Pernambuco. Os resultados começam antes mesmo da primeira turma se formar, com estagiários trabalhando nos novos filmes de Paulo Caldas, Cláudio Assis, Marcelo Gomes e Kleber Mendonça.

“Nossos alunos rapidamente se encaixam nas produções”, diz o professor Paulo Cunha, fundador do curso o qual coordenou até o mês passado e atualmente dá aulas de cinema brasileiro. Para ele, a relevância da graduação está atrelada ao crescimento do sistema de produção. “O projeto foi montado para estar com um pé na produção real, onde ele se complementa. Por isso, uma parte da carga horária pode ser preenchida com o trabalho feito nas produtoras”.

Ao longo de quatro anos, disciplinas como história e teoria do cinema são aliadas à prática em campo e no laboratório. “É preciso se alfabetizar para a linguagem audiovisual. Tem alunos que trabalham sem ter visto um Hitchcock ou um Godard. É uma oportunidade para refletir e experimentar a própria pegada, pois quando ele chegar na produtora tem que fazer o que os outros mandarem”, diz Cunha.

O Laboratório de Imagem e Som da UFPE está disponível não só para alunos de cinema e conta com equipamento de ponta e uma midiateca com 330 títulos. Desde o mês passado, três ilhas Mac Pro Octacore para edição de imagem e som estão em funcionamento. Entre as novas aquisições estão câmeras de alta resolução Panasonic HPX300. O objetivo é suprir a necessidade educacional e tornar o espaço uma pequena produtora. “Queremos promover atividades extracurriculares e fazer parcerias para fazer algo mais dinâmico, um laboratório de criação e formação de novos técnicos”, diz o professor Camilo Soares, coordenador do LIS.

Fundado em 2007, o curso de cinema de animação da Faculdade Barros Melo - Aeso deve formar no ano que vem a primeira leva de animadores. De acordo com o coordenador, Leonardo Castro, no curso é possível aprender diferentes técnicas de animação para cinema, videogames e celular, além de efeitos visuais para filmes live-action. Criada em 2005, a produtora BAM Studio é incubada pela faculdade e tem no portfólio títulos premiados como Jumento Santo, A morte do Rei de Barro, O homem planta, e o videoclipe A sorte, da banda Volver.

Voltado para profissionais, os cursos de formação e capacitação técnica do Centro Audiovisual Norte-Nordeste são uma parceria entre a Fundação Joaquim Nabuco (Ministério da Educação) e a Secretaria do Audiovisual (Ministério da Cultura). “São cursos de aperfeiçoamento para quem já atua na área, mas trabalha de forma empírica, com os amigos”, diz Isabella Cribari, diretora de cultura da Fundaj. Ministrados por especialistas de todo o país, os cursos são elaborados a partir de carências apontadas pelo mapeamento do audiovisual realizado em 2005 pelo Sebrae. Os mais requisitados são como desenho de som, fotografia subaquática, produção digital e montagem. A próxima turma será de direção de arte, com Vera Hamburguer.

Números

200 alunos estão matriculados no curso de cinema da UFPE. A capacidade é de 400

Em três anos, o Canne promoveu 73 cursos para 1500 pessoas de 13 estados do
Norte e Nordeste

80 vagas disponíveis para curso de cinema de animação da Aeso

O curso de cinema digital da Faculdade Maurício de Nassau oferece 240 vagas

180 alunos formados pelo curso de formação técnica da Aurora Filmes; 30 destes
atuam no mercado

Série Novos Olhares // Um cinema feito à mão



Nos últimos três anos, um casarão do Recife Antigo serviu de set para o curta-metragem de animação Dia estrelado. O projeto é idealizado por Nara Normande que, com papel e massa de modelar construiu cenários, objetos e personagens praticamente sozinha. O movimento é obtido com a técnica stop-motion, em que milhares de imagens são capturadas digitalmente para depois serem alinhadas em sequência no computador. Para cada minuto de animação, são necessárias, no mínimo, 720 fotos.

Nara me recebeu no estúdio montado no segundo andar do Canal das Artes, onde criou um mundo árido onde habitam seus personagens. São três ambientes externos e dois internos. Um deles mostra o leito seco de um rio com um casebre. Com exceção das flores, todos os objetos são artificiais. "Quis representar o quadro Noite estrelada, de Van Gogh, com outras cores", diz.

Aos poucos, a jovem realizadora (24 anos) montou equipe formada por Marcelo Lordello (fotografia),Tião (assistência de direção), Raphaela Spencer (direção de produção), Lívia de Melo (produção executiva), Manuela Costa (finalização), Nicolas Hallet (som), João Maria (montagem) e os animadores Renata Claus, Maurício Nunes e Fábio Yamaji (de O divino, de repente). A trilha sonora será de Fernando Catatau (Cidadão Instigado).

Para a artista não importa o longo período demandado pelo projeto. "Com o tempo, a essência é a mesma e o roteiro amadurece. Fazer em 3D é mais fácil e rápido, mas não atinge o mesmo efeito, fica perfeito demais. Sempre gostei de filmes mais rústicos, artesanais, que dão margem para que se veja que aquilo é maquete, que tem uma pessoa por trás".

Para aprender o ofício, Nara passou longe dos cursos de animação oferecidos na cidade. Formada em jornalismo pela Universidade Católica, Nara gosta de modelar e de cinema desde criança. Bastou um curso com Peter Peak, do estúdio ingês Aardman (de Wallace and Grommitt e A fuga das galinhas), contatos e informações via internet e a leitura de alguns livros. Como referências estão Jan Svankmajer e Michaela Pavlátová, da República Tcheca. Com a última, estabeleceu contato e trocou ideias à distância.

Concebido para o formato de tela cinemascope, Dia estrelado foi viabilizado com recursos de editais da Fundarpe e do SIC municipal, ao custo de R$ 140 mil, incluindo o transfer para película 35mm. Nara já vem colaborando com outros filmes como A vida plural de Laika, de Neco Tabosa, Animal político, de Tião, e Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro, todos em fase de produção. Já fez experimentos próprios, mas considera este o seu primeiro trabalho autoral. Depois de Sem coração, curta live action que dirigirá com Tião, Nara quer experimentar o desenho animado direto na película, riscando e colando objetos como nos primórdios da animação.

Série Novos Olhares - Entrevista // Tião: “Os filmes que me empolgam são os que mostram que podem fazer o que quiser”

Tião finalizou seu primeiro filme aos 25 anos e com ele conquistou um prêmio inédito no festival de cinema mais prestigiado do mundo. Para os desavisados, foi uma surpresa meteórica. Só que até Muro chegar à sua forma final, alguns anos se passaram. O curta nasceu a partir de ideias que o diretor trazia desde adolescente, teve seu roteiro trabalhado por mais de um ano, foi realizado com recursos públicos (e uma parte do próprio bolso) e com o trabalho de vários amigos.

Tudo começou com a fundação da Trincheira Filmes em 2003, por ele, Leo Lacca e Raul Luna. Primeiro veio o projeto coletivo Eisenstein. Depois, os trabalhos individuais: Ventilador e Décimo segundo (Lacca), Número 27 e Vigias (Marcelo Lordello). Atualmente, enquanto trabalha na produção de Animal político, Tião participa de outros novos projetos da Trincheira: Eles voltam, de Lordello, o curta Ela morava na frente do cinema, de Lacca (que também prepara o primeiro longa), além de outro curta de Tião e Nara Normande, Sem coração. Em entrevista ao Diario, Tião fala sobre sua breve e notável trajetória. Aos novatos, aconselha: “sejam corajosos e acreditem nas ideias”.

Muro estreou no cobiçado Festival de Cannes. Há um “caminho das pedras” para chegar lá?
Fiz o caminho mais óbvio: preenchi os formulários e mandei uma cópia pra lá. Muita gente apressa o processo de um filme para colocá-lo em determinado festival. É importante não forçar esses limites e respeitar o processo, fazer um filme em que se acredite e trabalhar nele o tempo necessário. Cada filme tem um tempo próprio e isso é muito importante. Em Muro, trabalhei por muito tempo e com isso pude ver com mais clareza.

O que motivou a realizar Muro?
Primeiro, um sentimento forte presente em várias ideias desde que comecei a pensar em cinema. Eisenstein foi meu primeiro filme, mas as ideias de Muro vieram antes. Anotei e vi que entre essas ideias, lugares e épocas, pensadas para suportes diferentes, falavam mais ou menos a mesma coisa e também falavam umas pra outras. Então decidi juntá-las no mesmo lugar, pois precisava falar sobre elas, expressar num filme, quase como um prefácio. Precisava falar isso pra depois pensar em outras coisas.

E de que ideias você trata no filme?
É uma resposta simplesmente a estar aqui, agora. É sobre uma carga histórica de violência, que vem da gente, pois não existe personagem fora da sociedade violento assim. Falam que é algo de gênero, que a mulher sofreu mais violência histórica, mas acho que é uma coisa humana. E tem a corrida em direção à frente, a noção de progresso, que eu tento questionar.

Nos últimos meses, você tem se dedicado a seu novo filme, Animal político, que deve se tornar um média-metragem.
Ele foi aprovado como curta pelo edital da Fundarpe, mas agreguei novas partes. Ele foi crescendo com o tempo, porque quis fazer algo inverso a Muro. Como antes do roteiro de Muro não tinha feito nenhum filme, fazer o roteiro era como fazer a obra, demorou um ano e seis meses. Isso gerou umroteiro muito sólido, com estrutura parecida ao filme. Na filmagem isso até atrapalhou, pois fiquei preso à força do roteiro. Em Animal político, quis lidar com um processo mais imperfeito. Já filmamos uma parte, vamos começar outra daqui a um mês e ainda estou fazendo o roteiro, que continua aberto a ponto de permitir que no processo de montagem seja escrito mais alguma coisa.

Curtas enfrentam problemas específicos para serem exibidos. Como você pensa estratégias para seus filmes?
Muro teve uma boa exibição em festivais, mas o que me incomoda é a diferença de tratamento e de repercussão dos curtas com relação
aos longas. E isso é uma coisa muito do cinema, a literatura absorve bem o formato curto e longo, as artes plásticas também - não importa se o objeto tenha um metro ou cinco. Sei que os curtas estão muito distante do circuito comercial, mas se eles não podem ser vistos por esse público, que sejam por pessoas que estudam cinema, jornalistas, professores.

Você tinha 20 anos quando a Trincheira foi fundada. Como foi o começo?
Ainda no colégio, tocando em bandas diferentes, eu e Leo Lacca assistimos filmes americanos de estúdio como Cidade dos sonhos, Magnólia, Quero ser John Malkovich. Esse último foi muito importante, porque percebemos que dava pra colocar qualquer ideia, por mais absurda, dentro de um filme. Depois o Raul Luna entrou e nos empolgamos com essa possibilidade e começamos a escrever o roteiro de um longa, um policial absurdo, por puro prazer de se encontrar e traficar ideias para o filme.

Você procurou formação específica antes de partir para a prática?
Formação em cinema não tive quase nada, aprendi fazendo e com Leo, Marcelo e outros amigos, trocando informação, assistindo filmes. Eu tinha vontade de fazer um curso para aprender a lidar com câmera, mas não tinha muitas opções na época. Leo e Marcelo fizeram cursos na Fundaj. Depois participamos de um curso na UFPE, onde conhecemos outras pessoas como Gabriel Mascaro, Felipe Cabeça. Pensamos em estudar no Rio, ter um conhecimento sistematizado, mas isso tem prós e contras. Se por um lado podemos aprender o que há de bom e ter alguém para dialogar, a personalidade da pessoa que ensina influencia o seu trabalho.

O que um realizador iniciante precisa para começar bem no cinema?
Para fazer um bom filme, antes de tudo, é preciso ter a ideia. E ser honesto consigo, fiel com o que pensa. Tudo precisa servir a essa ideia. Por isso, é necessário ser corajoso e acreditar nelas. Essa convicção faz bem para o filme. E para isso prevalecer, é bom trabalhar com amigos, mais até do que manter um esquema profissional, achando que isso vai assegurar alguma coisa. O ideal pra mim é trabalhar não com muita gente e quanto mais amigos, melhor. Não sei se todos os filmes dá pra trabalhar nesse esquema, mas seria o ideal. Fora isso, trabalhar com vontade, com prazer, para ter boas recordações. Nós, da Trincheira, queremos moldar o processo, não moldar o filme à estrutura, mas a estrutura ao filme. Isso tem um custo, mas se é para gastar dinheiro, é nisso que vale a pena.

O que te move a fazer filmes?
Me interessa muito o que as outras artes podem trazer para o cinema, que é uma convergência de artes. Fotografia, texto, minha formação artística é isso. Não vim do cinema, não “sou” do cinema. A noção de que posso trazer coisas de outros lugares para mim é mais interessante do que o cinema em si, do que ficar o tempo todo dentro do cinema, que é um canal interessante. Pena que a forma como ele vem sendo usado nos últimos anos o transformou em algo inofensivo. A classe média vai ao cinema, é uma coisa social, vai porque está no shopping, é como fazer palavras cruzadas. Comparar essa situação com os cineastas que existem e já existiram, é um potencial perdido. Para a maioria, cinema deixou de ser arte. Mesmo assim acho interessante a relação que existe no Recife, aqui temos um cenário especial, o cinema que se faz aqui está na mídia, há incentivo. E quando pessoas assistem a estreia de um curta numa segunda-feira, com sala lotada, a perspectiva só pode ser boa.

A velha (e fértil) lógica dos coletivos

A tradição de coletivos marca o cinema de Pernambuco desde seu início e novos grupos de produção e exibição não páram de surgir. Se por um lado há um contexto favorável que permite aos novatos se especializar e aprender com veteranos, há os adeptos da old school. Eles começam do zero, desempenham várias funções e, entre amigos, adquirem experiência com os próprios projetos de produção e exibição. Quatro deles conversaram com o Diario de Pernambuco sobre suas motivações, inquietações e modus operandi.

ASTERISCO
Com cinco integrantes, seis curtas prontos e três em andamento, o coletivo Asterisco foi criado em 2008 por estudantes da UFPE. A ideia, viabilizar projetos pessoais coletivamente. Inicialmente, Felipe Peres Calheiros assumiu a fotografia; Evandro Dunoyer, a produção e pesquisa de linguagem documental; Paulo Sano, a edição e finalização de imagem; Rafael Travassos, o som direto e finalização; e Sérgio Santos, o roteiro e linguagem ficional.

“Começamos do zero e aprendemos uns com os outros”, diz Calheiros, diretor de Acercadacana. Eleito o melhor do último Festival de Brasília, o curta trata da luta de uma senhora que está sendo expulsa da casa onde vive há mais de quatro décadas por uma grande empresa, a dona do canavial.

“Depois de uma época de reflexões e projetos pequenos, começamos a produzir coisas maiores. Basicamente, cada projeto tem o seu ‘pai’. A partir disso organizamos a equipe, sempre tentando agregar parceiros aos projetos”, diz Sano, que com Travassos assina a direção de Dia de Clássico.

Para ele, o surgimento de coletivos se explica também por imposições financeiras. “Pernambuco possui hoje técnicos excelentes, mas que nem sempre podem ser remunerados da maneira adequada. Muitos dos filmes são urgentes e não podem esperar patrocínio para serem iniciados. Ainda que o setor tenha recebido um pouco mais de atenção nos últimos anos, ainda falta um longo caminho para que o lado econômico acompanhe o lado criativo”.

MORRA
Formado por Ayla Alencar, Nina Wicks e Guilherme Martins, o coletivo se uniu em setembro de 2009, pelo apetite de realizar o curta Entre pernas, uma releitura do mito da perna cabeluda. Diz a lenda, em voga nos anos 70, que uma perna peluda perseguia e atacava pessoas no meio da rua. No filme, Marília Correa, estudante de historia que começou a se interesar por teatro durante o filme. Ela interpreta a vítima, que formaliza queixa contra a perna e se vicia em técnicas para convencer o delegado. “Ela quer materializar sua loucura e usa de artifícios e seduções para fazer as pessoas acreditarem naquilo”, diz Ayla, que busca no filme a imagem crua do cinema marginal. “Nosso método é a produção jazz, onde vale a intuição, o improviso e muita sintonia. Tudo é questão de puxar a história certa pela câmera”.

Independente, a produção tem custo estimado de R$ 60 mil. Ainda não há recursos captados, mas o trabalho flui na base da colaboração de Xuruca (figurino), João Sagatio (luz) e DJ Dolores com Orquestra Cidadã dos Meninos do Coque (trilha sonora). A direção e roteiro são de Ayla, a direção de arte, de Guilherme e Nina e Frederico Ferreira assina os figurinos. A produtora Remo entra com a infra-estrutura. As filmagens começaram em novembro passado, no Armazém 14 e será finalizada em novembro deste ano. O calendário de filmagem não foi escolhido por acaso. “De acordo com os estudos astrológicos, está na hora de voltar a gravar”, diz Nina. “Estaremos no ciclo de escorpião, que favorece o profundo, o denso, o violento”.

JACARÉ
Um documentário sobre dois caçadores de jacaré na mata de Dois Irmãos foi o que primeiro uniu João Lucas, Rafael de Amorim, Hugo Coutinho e Leandro Santonianni, em 2008. Pedro de Andrade entrou após estudar com João Lucas no Centro de Formación Profesional del Sindicado del Cine Argentino, em Buenos Aires. “Já éramos amigos antes de Jacaré e essa amizade ainda hoje é um dos alicerces do grupo. Além disso temos também uma lógica de trabalho onde todos fazem tudo, o que é bastante dinâmico”, diz João Lucas. Logo depois veio Cinema Império, de Coutinho, sobre o cinema de rua que funcionou até 1979, no bairro de Água Fria. De acordo com Hugo, a ideia é continuar o projeto, desta vez, com os antigos cinemas do interior. Antes disso a turma lança Véio Peru. Além deles, a Jacaré produziu O Ano Passado em Itamaracá, em parceria com a Dipjurah Pictures de Germano Rabelo.

DISSENSO
De um blog/projeto de conclusão do curso de jornalismo nasceu o Cineclube Dissenso, que reúne Rodrigo Almeida, Luís Fernando Moura, André Antônio, Fernando Mendonça, Hermano Callou, Paulo Faltay, Pedro Neves e Tiago Correa. Já na origem, em 2008, o motivo principal é discutir cinema. A exibição veio depois. “Não queria escrever ensaios para deixar na gaveta. Então convidei algumas pessoas, fizemos reuniões e resolvemos que uma boa forma de atrair as pessoas seria exibir um filme a cada semana”, diz Almeida. Ano passado o coletivo migrou da UFPE para o Cinema da Fundação. Desde então, são mais de 50 sessões e 100 filmes exibidos. “Na Federal todos as sessões eram surpresa. Cada um levava um filme e decidíamos qual seria na hora, para as pessoas não chegarem com um discurso pronto. Na Fundação, para atrair
público tivemos que divulgar os filmes com antecedência, mas mantemos a ultima
de cada mês para que a ideia original não fique descaracterizada”.

Luiz Fernando Moura explica o critério que guia a escolha de filmes. “Se o filme não for muito conhecido, melhor. Queremos filmes bons que são pouco acessíveis, sem distribuição no Brasil ou que teve uma sessão perdida em alguma mostra. Filmes nacionais com a presença do realizador e que problematizam a linguagem do cinema também são bem-vindos”.

Entrevista // João Lucas (Coletivo Jacaré)

Existe uma unidade que caracteriza os filmes do coletivo?
Desde Jacaré procuramos ter uma relação especial com os personagens dos filmes. A idéia é deixar que os personagens se mostrem da forma mais natural possível. Propomos uma relação mais amistosa com eles, nos colocamos na frente da câmera e buscamos quebrar essa relação hierárquica entre entrevistado e entrevistador. A idéia foi essa quando nos juntamos com os caçadores para caçar juntos o jacaré. Se repetiu em Cinema Império, pois as entrevistas eram
como conversas informais. Em Véio Peru, ainda inédito, essa informalidade guiou o filme, feito em uma só tomada e sem a pretensão de ser documentário. A gente quer deixar a câmera invisível para que a atenção maior seja no papo, sem a forma convencional de pergunta-resposta.

Quais as principais dificuldades para viabilizar um filme?
Hoje a gente sabe que por conta do digital é mais barato fazer filme do que na época em que só existia a película. Mesmo assim cinema é um trabalho caro. É difícil imaginar alguém que vive bem só de realizar filmes, os trabalhos técnicos de edição, câmera e som para TV, cinema e shows e até publicidade (embora não tenhamos feito nada nessa área ainda) são essenciais para a manutenção de uma produtora. De qualquer forma, também é fato que Pernambuco hoje é um estado privilegiado na área do audiovisual, aqui são oferecidos muitos incentivos o que nos faz ter essa relação financeira com o governo. Fazer filmes independentes não é a coisa mais vantajosa, a não ser pelo prazer de filmar e na verdade todos os nossos filmes são independentes.

Como vocês pensam estratégias de exibição e distribuição?
Cinema Império foi realizado junto com uma sessão do filme O Ébrio, na frente do antigo cinema do mesmo nome em Água Fria. Jacaré foi exibido durante o festival Pai da Mata, no Curupira, em Dois Irmãos. Temos uma idéia de exibir os filmes em lugares que de alguma forma se relacionam com o próprio filme ou os personagens. Coque: Histórias da Terra também terá sessões especiais no bairro. A idéia é que o filme pertence ao lugar e as pessoas que o fizeram. A internet também é um meio de disponibilizar os filmes, por enquanto temos uma página no Vimeo e ainda não colocamos todos os filmes. Sempre pensamos em fazer DVDs pois essa ainda é a mídia mais popular para filmes.

Série Novos Olhares // Diretores discutem o Recife com testemunho audiovisual

A interferência urbana provocada por um condomínio de apartamentos erguido no bairro de São José serviu de mote para cerca de 40 realizadores se agruparem em torno de Projeto Torres Gêmeas. Mais ligados ao tema do que às torres em si, eles produziram de forma anônima pequenas obras em video, foto, música e texto. O material foi reunido em HD único e enviado para Fortaleza, onde será editado por Guto Parente, Felipe Bragança, Fred Benevides e Ivo Lopes, do coletivo Alumbramento (Estrada para Ythaca). No caminho inverso, eles produzirão imagens sobre um projeto milionário que implantará em Fortaleza o maior aquário da América Latina. O filme será montado no Recife.

O intercâmbio nasceu no último Janela Internacional de Cinema, onde cearenses e pernambucanos trocaram ideias sobre cinema coletivo. “O olhar deles pode se agregar ao nosso e descortinar do Recife guiado pelas nossas imagens e discursos”, diz Felipe Calheiros, um dos idealizadores do projeto. “Paralelamente, eu estava produzindo material sobre as torres com João Maria, soube que Tião fez algo, Luiz Joaquim lançou o filme Eiffel. Sentei com eles e começamos a formatar esse modelo coletivo”. Desde então, entre outros, entraram no grupo Marcelo Pedroso, Leo Lacca, Marcelo Lordello, Nara Normande, Ana Lira, Camilo Soares, Rodrigo Almeida, Chico Lacerda, Luis Fernando Moura, Jonathas de Andrade, Leo Falcão, Leo Leite, Luís Henrique Leal, Mariana Porto, Mayra Meira, Virgínia Maria Carvalho e Wilson Freire.

“Produzimos uma pluralidade de pontos de vista sobre a transfiguração urbanística no Recife, que precisa ser mais debatida inclusive na imprensa, que aparentemente não se importa. Não se trata de um problema apenas paisagístico, mas de modelo de cidade”, diz Pedroso. Não se sabe de que forma o material bruto será utilizado. Muito menos se
Torres gêmeas será um curta, média ou longa-metragem. Mesmo assim, todos os participantes irão assinar o filme, mesmo que seu material não entre.

“As discussões fazem parte do resultado”, diz Luís Fernando. “O discurso das construtoras e da especulação imobiliária está alinhado com o dos grandes veículos. Me incomoda esse modelo de expansão arquitetônica para poucos, com muros, clubes privados e ambientes fechados que nos tornam cada vez mais distantes. Me interessam filmes que problematizam isso”.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Tropa de Elite 2 é o filme nacional mais visto da história. Será?



Quase 11 milhões de brasileiros já assistiram Tropa de Elite 2. Há nove semanas em cartaz, o longa de José Padilha superou na noite de ontem a marca obtida por Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto. Com isso, está sendo considerado o filme nacional mais visto da história.

Será?

Mais cauteloso e menos afoito do que a grande mídia, o portal FilmeB anuncia Tropa 2 como "o filme brasileiro de maior público das últimas décadas".

Isso porque o FilmeB considera que produções dos anos 40 e 50, período em que o cinema nacional reinava sem a concorrência da TV, podem ter sido mais vistas do que os atuais recordistas. Mas naquele tempo não havia contagem de corpos. E como nas histórias de detetive, sem corpo, não há crime. Na falta de provas, Tropa 2 passa a ser oficialmente o filme brasileiro mais visto da história.

Isso não exclui a possibilidade de O Ébrio (1946), por exemplo, ser o filme mais visto do cinema nacional. Alice Gonzaga, filha do produtor da Cinédia Adhemar Gonzaga, disse que O Ébrio deve ter acumulado um público de 14 a 20 milhões de pessoas. Não há como provar, mas não é difícil imaginar, em um circuito que contava com mais de 4 mil salas, espalhadas Brasil adentro.

O país tinha 50 milhões de habitantes, o que significa que entre 30 e 40% da população assistiu a O ébrio.

Em 2010, pouco mais de 10% dos brasileiros assistiram ou a Tropa 2, ou a Chico Xavier ou a Nosso Lar.

E isso não é pouco. Faz de 2010 um ano atípico. Três produções nacionais que juntas atraíram mais de 20 milhões de brasileiros aos cinemas.

Não é pouco dizer que Tropa 2 foi mais visto do que qualquer Avatar, Shrek, Eclipse ou Toy Story. Que, sozinho, arrecadou R$ 100 milhões.

É bom comemorar: o posto de filme mais visto está sendo ocupado por um filme de verdade, concebido por alguém que pensa cinema e não por qualquer seboseira oportunista ou globochanchada subtelevisiva.

Resta saber o que isso significa para o cinema nacional que vive longe da chancela da GloboFilmes e, portanto, das telas dos cinemas comerciais. Não é fácil passar pelo gargalo da distribuição.

Há dois meses, quando Tropa 2 entrou em cartaz, um realizador paulista com quem conversava disse que não há mais espaço para filmes médios no Brasil, só para os pequenos (até 100 mil espectadores) e grandes (acima de 1 milhão).

"Hoje, filme médio é o grande que deu errado", disse o cineasta, em referência a Lula - o filho do Brasil, que não passou dos 800 mil pagantes.

Por isso, Capitão Nascimento não salva o cinema nacional. Bom brasileiro, ele fez o dele. Salvou a pele. Bons blockbuster, Tropa 2, Chico Xavier e Nosso Lar cumpriuram o seu papel e ocuparam todos os espaços possíveis. Filmes nacionais com potencial de público, como Antes que o mundo acabe e Reflexões de um liquidificador, foram escanteados.

Em nota oficial, o ministro da cultura Juca Ferreira, parabeniza o cinema brasileiro pelo recorde de Tropa 2. Mas até que ponto estamos de parabéns? Nos anos 40 de O Ébrio e nos 70 de Dona Flor, havia público não para três ou quatro, mas para dezenas de filmes nacionais.

É verdade que não fosse um blockbuster brazuca a ocupar as salas, seria Hollywood a fazê-lo. Só que hoje temos por ano algo em torno de uma centena de longas feitos no Brasil. Estaremos de parabéns quando eles chegarem ao público que, via impostos, os viabilizam.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Recife é a capital do cineclube


A Mão e a Luva, de Roberto Orazi, na programação do Centro Cultural Correios

Até 11 de dezembro, Pernambuco é palco de três grandes encontros de cineclubes, dois deles de alcance internacional. A tradição de grupos que se reúnem para exibir e discutir filmes tem marcado a história cinéfila do estado e a realização de três grandes eventos simultâneos confirma essa força, desta vez com apoio das políticas públicas dos governos federal e estadual.

Cineclubes e ativismo social sempre andaram de mãos dadas e nos últimos anos o movimento se articulou e ganhou dimensão capaz de influenciar nas políticas públicas. É disso que trata a 28ª Jornada Nacional de Cineclubes, a 3ª Conferência Mundial de Cineclubismo e a 63ª Assembléia Geral da Federação Internacional de Cineclubes. Estão confirmados mais de 250 cineclubes dos 27 estados e representantes de 55 países, Malásia, Morrocos, Polônia e Irlanda incluídos.


Prisão de mulheres, de Shirdel

A programação geral se divide entre um hotel fazenda em Moreno (28km do Recife), fechada para os participantes, e o Centro Cultural Correios (Recife Antigo), que abrigará mostras de longas e curtas do mundo todo, abertas ao público. Há convidados especiais, como o documentarista iraniano Kamram Shirdel, que vem ao Brasil exclusivamente para o evento e terá retrospectiva inédita no país, e o italiano Roberto Orazi, que lança no Brasil o documentário A mão e a luva - storia di un trafficante di libri. O filme foi rodado no Recife, tendo como foco o pernambucano Ricardo Gomes Ferraz, o Kcal, que se tornou conhecido como organizador de uma biblioteca na comunidade do Bode. Recentemente, foi exibido no Festival de Roma.

Antonio Claudino de Jesus, presidente do Conselho Nacional de Cineclubes (organizador dos eventos ao lado da coordenação de cinema da Fundarpe e da Federação Pernambucana de Cineclubes), diz que o fato do encontro ocorrer no Brasil demonstra a importância que o país alcançou no cineclubismo internacional. E que não é por acaso que Pernambuco será o ponto de convergência. ´O movimento pernambucano ganhou destaque nacional. A Fepec é hoje umadas mais bem organizadas do Brasil e tem servido de exemplo para outros estados`.

Esta é a segunda vez que a Assembleia será realizada fora da Europa - a primeira foi nos anos 1970, em Cuba. Criada durante o primeiro Festival de Cannes, ela congrega mais de uma centena de países. Na pauta do movimento mundial estão assuntos como o direito de acesso ao audiovisual. De acordo com João Baptista Pimentel Neto, secretário geral do CNC, a ideia é multiplicar pontos de exibição e flexibilizar os direitos do autor para que mais pessoas tenham acesso a produtos audiovisuais viabilizados com dinheiro público.

Saiba mais

Existem 1.100 cineclubes em funcionamento no Brasil. 600 são filiados ao CNC

Em Pernambuco, dos mais de cem pontos de exibição (Cine + Cultura incluidos), 37 são filiados à Federação Pernambucana de Cineclubes

Mostra Centro Cultural Correios
(Av. Marquês de Olinda, 262 - Recife Antigo)

7/12 - terça-feira

19h - Mostra Kamran Shirdel
A noite em que choveu (An Shab ke barun amab, 1967/74)
Teerã é a capital do Irã (Teheran, payetakhat-e Iran ast, 1966/79)
Setor Feminino (Qaleh, 1966/80)
Prisão de mulheres (Nedamatgah, 1965)
Solidão - Opus I (Tanhae-ye-Awal, 2000/01)

8/12 - Quarta-feira
19h - A Mão e a Luva (2010), de Roberto Orazi

10/12 - Sexta-feira
19h - Mostra Cinesud - Curtas Iberoamericanos
Por primera vez (Cuba, 1967), de Octavio Cortázar
Floating Chloe (Colômbia, 2004), de Monica Naranjo
Conquistadores (Espanha, 2005), de Eloi Tomás
El reciclo del biciclo (México, 1999), Agustín Martínez
Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos (Brasil, 2009), de Camilo Cavalcante
Minami em Close-up (Brasil, 2009), de Thiago Mendonça
Qué viva el muerto (Equador, 2002), de Randi Krarup
La ruta natural (Espanha, 2005), de Alex Pastor
Comprometendo a atuação (Brasil, 2009), de Bruno Bini

(Diario de Pernambuco, 07/12/2010)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Coragem de poeta



O poeta França vive. Se não no corpo em que habitou por 52 anos, na memória afetiva dos que conviveram com esse ser livre e, portanto, original e único. Não que Valdemilton Alfredo França, nascido no Engenho Pirapama, Cabo de Santo Agostinho, fosse melhor ou mais especial que outros. É que, diferentemente da maioria, ele abriu os olhos e ousou viver sua verdade. E, com sorriso a tiracolo, contagiante, agregador, convidou muita gente a fazer o mesmo.

França se mudou para Olinda em meados dos anos 1970 e nunca mais arredou o pé das ladeiras. A não ser quando seu projeto itinerante, "Eu, poeta errante", o levava até outras paradas. Em 2007, optou por não aceitar as imposições hospitalares e não resistiu à leucemia. Antes, deixou várias marcas na cidade, como o bar Sociedade dos Poetas Vivos e as encenações da peça A cor da exclusão, inspirada em Solando Trindade. "Ele foi poeta, educador, capoeirista, encenador, ator e músico. O corpo era o seu suporte", diz Rafaela Valença.

Já em desenvolvimento, o projeto Poeminflamado - A voz tridimensional do poeta França pretende digitalizar, sistematizar e catalogar sua obra e, ao mesmo tempo, realizar o último desejo do artista. "Ele queria reunir seus livros, A cor da exclusão (1998) e Cafuné (2003), com textos avulsos de agendas, cartões e novos poemas", diz a coordenadora do projeto, Laine Amaral.

Realizado com recursos do Funcultura, a publicação deve ser lançada em março de 2011, terá 240 páginas e um CD/DVD encartado com imagens de França em diferentes fases e situações, acervo essencial para que os que não o conheceram possam entender sua poesia. O projeto ainda prevê o lançamento de um site com todo o material digitalizado.

Campanha - Ao longo de suas andanças, França foi largamente registrado por amigos e admiradores. Para chegar a esse material, os produtores pedem aos que fotografaram ou filmaram França em recitais, rodas de capoeira e encenações teatrais, que colaborem com o projeto disponibilizando esse material. "Precisamos preservar esse acervo espalhado pelo mundo. Hoje as pessoas sabem quem é França, mas não podemos dizero mesmo das próximas gerações", diz Mateus Sá, que coordena a parte fotográfica do projeto.

"É ele quem vem na frente. Queremos intervir ao mínimo, deixar que ele revele o caminho", diz Laine, que trabalhou com França no Teatro de Amadores de Olinda e centraliza o recebimento do material, através dos telefones (81) 9618-8182 / 3434-9832 e email llaine@bol.com.br.

Outros amigos e parceiros de França se mobilizaram em torno do projeto. Além de Rafaela, Laine e Juan Martins, Poeminflamado reúne ilustrações de Mascaro, projeto gráfico de João Lin, capa e tipografia de Sil, ex-companheira com quem mantinha a editora artesanal Mãos de Veludo, e texto de André Telles do Rosário, que analisa o trabalho do poeta dentro do contexto da poesia de rua. Mariano Pickman é responsável pelo material em vídeo e pela coleta de depoimentos de familiares, que apoiam a iniciativa.

(Diario de Pernambuco, 28/11/2010)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Nem tudo pode dar certo - o novo Woody Allen



Ao ritmo de um filme por ano, Woody Allen constroi uma obra centrada em relações desencontradas, conflitos existenciais e o poder definidor do acaso. Recentemente, sua visão bem-humorada sobre desejo e desespero rendeu o ótimo e otimista Tudo pode dar certo (2009). Um tom abaixo e mais cético sobre a generosidade da vida, Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (You will meet a tall dark stranger, EUA, 2010) estreia hoje nos cinemas do Recife.

Assim, quando as inconfundíveis letras brancas sobre fundo preto aparecerem na tela embalada pelo jazz ragtime, em vez de trazer boas surpresas, o destino traçado por Allen escarnecerá de seus subordinados.

As vítimas são Alfie (Anthony Hopkins), que após décadas, deixa Helena (Gemma Jones) para casar com uma jovem garota de programa. E a filha do casal, Sally (Naomi Watts), casada com o escritor frustrado Roy (Josh Brolin) e atraída pelo patrão, o marchand bom partido Greg (Antonio Banderas). Por sua vez, Roy se inspira na vizinha violonista Dia (Freida Pinto) enquanto planeja o novo livro que o consagrará no mercado editorial.

Preocupada, Sally recomenda à mãe abandonada consultar uma vidente, que a enche de esperança sobre como será feliz em breve, quando conhecerá o homem de sua vida. Ilusões, acredita Allen, funcionam melhor que psicoterapia. Ou pílulas.

(Diario de Pernambuco, 26/10/2010)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Coluna de Cinema da semana



Cutelo - Esta ficção-científica adapta a ideia de Repo Man (1984), em que Harry Dean Stanton e Emilio Estevez recuperam bens que não foram pagos para financiadoras. No futuro, uma fabricante de órgãos artificiais mantém clientes presos em prestações, com juros. A punição para o calote é a retirada do órgão, mesmo os vitais. Quem os retira são os agentes carniceiros Remy e Jake (Jude Law e Forest Withaker), amigos que se enfrentam quando o primeiro ganha coração novo.

Repo Men (EUA, 2010). De Miguel Sapochnik. 111 minutos. Universal.



Vodca - Antes do fim do regime, os soviéticos infiltraram crianças em território norte-americano. Adultos, espiões como Evelyn Salt (Angelina Jolie, que arregaça as mangas para se manter no primeiro escalão de estrelas) servem ao que sobrou da KGB. Uma vez desmascarada, ela foge e ataca enquanto é orquestrado um golpe definitivo contra os EUA. Jolie vive uma Nikita fashion. Ao mesmo tempo, é o equivalente feminino de McGyver, capaz de construir uma bazuca com tubos de ventilação.

Salt (EUA, 2010). De Phillip Noyce. 101 minutos. Sony.



Bomba - Simular um filme de ação estilo anos 1980 poderia funcionar se Stallone usasse a mão pesada somente contra o ditador do tal país latino-americano, ambientado no Brasil. Desperdício reunir o velho time de musculosos - Lundgren, Rourke, Willis - assim, sob o signo do desastre e pretensão. Satisfaz a curiosidade, e só. Schwarzennegger dá a deixa e não passa mais de três minutos em cena. Chegar ao fim, só para aficcionados pelo gênero ou é muita falta do que fazer.
Os mercenários (The expendables, EUA, 2010). De Sylvester Stallone. 103 minutos. Califórnia.

Eu indico

Eu gosto muito do filme Balzac e a costureirinha chinesa (Balzac et la petite tailleuse chinoise, França, 2002), do diretor Dai Sijie. Além da belíssima fotografia, é impossível não se encantar com as transformações que a literatura provoca na vida de uma pequena aldeia chinesa, durante o regime maoísta. Um filme que fala sobre autoritarismo, liberdade e a descoberta de si mesmo.

Val Lima é fotógrafa

Bastidores

Entre 6 e 8 de dezembro, o Recife será palco do Encontro de TVs Públicas e Culturais da América Latina. Para participar gratuitamente é preciso se inscrever no site da Televisão América Latina (www.tal.tv/etal). O evento terá mais de 100 convidados, entre gestores, produtores independentes e de emissoras de 24 países, que discutirão caminhos para uma programação de qualidade na TV pública. Além dos debates e seminários no Recife Palace, haverá mostra de documentários no Cinema da Fundação.

Meio ambiente - Sábado, durante o Janela Internacional de Cinema do Recife, o concurso de vídeo de 1 minuto Eu Quero Nadar no Capibaribe anunciou os vencedores. Os dois primeiros são de alunos do Instituto Capibaribe. O terceiro, O prato do dia, é de Cleiton Amâncio Félix. Para quem perdeu, eles serão exibidos na TV Pernambuco e nos sites do Janela e do Projeto EQNC.

Festivais - Explosão de festivais no Recife. Mal acabou o Janela Internacional de Cinema, o mesmo Cinema São Luiz recebeu o Ação Mulher, que segue até sábado. Amanhã e sábado tem Cine Chinelo no Pé, no Recife Antigo. E na segunda, também no São Luiz, começa o Festival de Vídeo de Pernambuco.

Estreante - Samuel Santos é o único pernambucano premiado pelo concurso de roteiros de longa-metragem para roteiristas estreantes, promovido pelo MinC. Seu projeto, a ficção, O juazeiro, a pedra e o Sol, foi selecionado entre mais de setecentos e vinte concorrentes no Brasil.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A dor e delícia de morar no Recife



A combinação entre amizade e trabalho tem rendido bons resultados no cinema. Há sete anos, um grupo unido por essas afinidades estreava no formato longa-metragem. O resultado foi Cinema, Aspirinas e urubus, filme que, com o respeito da crítica e resultado comercial positivo, contribuiu para a atual imagem do cinema pernambucano, de autor, em busca de novas possibilidades narrativas e que, mesmo sem fazer concessões, se destaca nas bilheterias. Há cinco semanas, a mesma equipe que assina o longa trabalha na realização de Era uma vez Verônica, novo longa, escrito e dirigido por Marcelo Gomes. As filmagens seguem até o fim de novembro, em diferentes locações do Recife. O filme deve ficar pronto em setembro do ano que vem.

´Sete é um número cabalístico`, brinca Gomes, pouco antes de rodar no set montado no bar Catamarã/Vapor 48, Cais de Santa Rita, no último domingo. O cenário é de festa de formatura, onde a cantora Karina Buhr é a principal atração. Na parede são projetados três curtas de Cao Guimarães, diretor mineiro com quem Gomes deve rodar seu próximo filme, O homem das multidões.

´Trabalhar com os amigos dá uma cara para nosso cinema, eles sabem do que gosto, um cinema bem naturalista. Estou muito feliz com o resultado`. Mas o espírito de continuidade em Verônica vem não só porque a equipe principal é praticamente a mesma mas porque representa o próximo passo de uma busca estética. É a primeira vez que Gomes filma no Recife, cidade que já conta com um volumoso repertório imagético. No entanto, assim como aconteceu com o Sertão de Aspirinas, isso não deve impedir o surgimento do olhar pessoal de Gomes para sua cidade natal.

´A linguagem que busco não é documental ou romanesca mas de crônica, entre a ficção e o documental, não do Marcelo mas de Verônica. Tem o Sol, mas tem a melancolia. É luminoso mas nem tanto. É quente mas ao mesmo tempo sopra o vento`. A origem do projeto, desenvolvido nos últimos quatro anos, vem do desejo do diretor de contar histórias sobre jovens estudantes em sua transição para a vida adulta, profissional, centrada no cotidiano. ´É sobre a dor e delícia de morar no Recife. O cinema dá espaço para essa poesia em torno do amor, desamor e crises existenciais que existem nos filmes de Bergman, mas que aqui se misturam com nossos próprios problemas. Quero mostrar esses dilemas na cidade em que vivo, onde mesmo em crise, é preciso pegar um ônibus lotado debaixo de um Sol de 40 graus`.

Parceria constante

Verônica e Gustavo, ou melhor, Hermila Guedes e João Miguel, vivem o par romântico desta crônica sobre ser jovem no Recife. A parceria não é nova - apenas para citar duas, eles já trabalharam juntos em Aspirinas e O céu de Suely. "A gente tem tanta intimidade em cena que dá medo. Às vezes nem parece que a gente está atuando", contou Hermila, no intervalo da filmagem do último domingo.

A atriz descreve Verônica como uma pessoa em formação, que precisa começar a existir para o mundo. "Isso é duro, muitas vezes numa sociedade que reprime tanto. Talvez a crise dela seja ter que ser tantas Verônicas e não estar preparada para ser nenhuma". Com a personagem, uma psiquiatra recém-formada atenta aos pacientes, amigos e em busca de si, Hermila aprendeu a olhar de outra forma para as pessoas e para a cidade. "Ela tem consciência do que está vivendo e é uma grande observadora, por isso o conflito". Comum enter as duas está o gosto pela balada, por se jogar na noite. "Eu gosto de misturar, pra mim, atriz e personagem é uma coisa só".

João Miguel explica o engenheiro naval Gustavo como alguém que se aproxima de Verônica, como quem quer curtir, sem que isso interfira muito em sua vida. "Ele é mais uma estrela na constelação em torno dela, uma testemunha secreta desse subjetivo feminino. Aparentemente, ele não tem nada a ver e acaba se apaixonando".

Verônica é a quarta produção pernambucana de que o ator baiano participa. Para ele, a nova parceria com Marcelo Gomes é essencial. "Não é um convite qualquer, é a confirmação de um cinema a que pertenço, é de onde eu vim. Ele faz filmes em que a linguagem é tão importante quanto estar inserido no mercado. Essa busca e paixão permitem correr riscos e se jogar no abismo".

Produção cresce em Pernambuco

Há 12 no mercado, a Rec Produtores é reconhecida como selo de qualidade no ramo do audiovisual. Após Verônica, suas próximas empreitadas serão Tiradentes, coprodução com o espanhol José Maria Morales, produtor de La teta assustada sobre os 200 anos da libertação da américa espanhola, Tatuagem, novo longa de Hilton Lacerda e a coprodução de Boa sorte meu amor, de Daniel Aragão.

À frente da produtora, João Vieira Jr. diz que considera 2010 uma ano atípico, pois desde fevereiro vários longas foram produzidos na cidade. "O cenário está melhor, em boa parte pelo aperfeiçoamento do edital estadual e pela visibilidade de nosso cinema. Contar com 20% do orçamento com dinheiro do estado fortalece o diálogo com novos investidores. Isso é importantíssimo, mas ainda não realizei meu sonho de produtor, que é fazer três ou quatro filmes com novos diretores que estourem tanto de público que não precisem passar por editais de fomento".

A sintonia com Marcelo Gomes é entendida por João como um desdobramento da amizade que já tinha com o diretor. ´Ele estudou muito para ser diretor, passou por todas as funções e observava a minha atuação ainda no tempo em que trabalhava com publicidade na Center. Essa experiência me ajudou a gerenciar melhor as produções, pois precisava satisfazer os clientes`.

A produção de Era uma vez Verônica movimenta uma equipe de 50 pessoas e um orçamento de R$ 3 milhões, dois terços captados. A sequência mais complexa foi filmada numa ladeira de Olinda, onde 300 figurantes simularam um dia de Carnaval. Na noite de domingo, 200 pessoas foram chamadas para compor a festa universitária. As próximas semanas são voltadas para cenas noturnas, em bares como o Central e da Rua Tomazina (Recife Antigo).

Por dentro do set

Elenco: Hermila Guedes, João Miguel, Renata Roberta, Inaê Veríssimo, Anthero Montenegro

Roteiro e direção: Marcelo Gomes

Direção de fotografia: Mauro Pinheiro Jr.

Direção de arte: Marcos Pedroso

Figurino: Beto Normal

Montagem: Karen Harley

Som direto: Evandro Lima

Produção executiva: Nara Aragão

Direção de produção: Dedete Parente Costa e Livia de Melo

Produção: REC Produtores e Dezenove Som e Imagem

Orçamento: R$ 3 milhões

Patrocinadores: BNDES, Petrobras, Neoenergia, Fundarpe

Distribuidor: Imovision

(Diario de Pernambuco, 23/11/2010)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tão longe da capital



O longa documentário Depois de ontem, antes de amanhã (Brasil, 2009), que tem sessão única hoje, às 19h30 no Cinema da Fundação, traz uma visão sobre as pequenas cidades brasileiras a partir de uma realidade bem próxima para os pernambucanos. No entanto, o filme é dirigido por uma realizadora paulista que nunca havia pisado no estado.

Ela apresenta três personagens principais, os moradores Daniel, Josenilda e Lucivânia. As duas últimas estarão com a diretora na sessão de hoje, para conversa com o público. Daniel, que no filme mostra desenvoltura como agricultor e videasta, não pode estar na sessão pois mudou de ramo e agora dirige um caminhão Brasil afora.

Em 2008, a cineasta Christine Liu veio a Araçoiaba a convite da Unilever, que mantém um projeto que busca melhorar a saúde, educação e desenvolvimento econômico da cidade. Apesar de estar próxima à capital (cerca de 50km), a cidade de 18 mil habitantes não faz parte da Região Metropolitana e é detentora de um dos IDH mais baixos do estado. ´Busquei personagens que mostrem um pouco dessa vida e a possibilidade de direcionar seu destino e fazer algo melhor para si e sua comunidade`.

A filmagem foi feita em três semanas na cidade. Na equipe está a renomada Heloísa Passos (KFZ-1348, Viajo porque preciso, volto porque te amo) como diretora de fotografia. ´Antes de tudo quis fazer um documentário pra cinema. Buscamos trazer esse olhar quase subjetivo. Quis a câmera discreta, espreitando as conversas, como se o espectador fosse mais um na roda`.

(Diario de Pernambuco, 22/11/2010)

domingo, 21 de novembro de 2010

Filmes premiados no 3º Janela Internacional de Cinema do Recife

Prêmios do júri oficial para curtas nacionais

Melhor Filme: PERMANÊNCIAS, de Ricardo Alves Júnior (MG)
A imagem que permaneceu

Melhor Imagem: FANTASMAS, de André Novais Oliveira (MG), com fotografia de Gabriel Martins
Todos temos uma Camila

Melhor Som: AS CORUJAS, de Fred Benevides (CE)
O Horror, O Horror!

Melhor Montagem: ENSAIO DE CINEMA, de Allan Ribeiro (RJ), com montagem de Allan Ribeiro e Douglas Soares
Uma Dança: Montagem em tempo real

Menções honrosas:

O SARCÓFAGO, de Daniel Lisboa (BA)
O filme que o Fygura teria feito

ENSOLARADO, de Ricardo Targino (MG)
A dor e a beleza da saudade anunciada

AMIGA AMERICANA, de Ivo Lopes e Ricardo Pretti (CE)
Por que não?

BAILÃO, de Marcelo Caetano (SP)
Uma declaração de amor, finalmente pública

Prêmios do júri oficial para curtas internacionais

Melhor Filme: DANS NOS VEINES, de Guillaume Senez (França)
Pela força de uma história que nos convida a testemunhar uma profunda
experiência humana.

Melhor Imagem e Melhor Montagem: LONG LIVE THE NEM FLASH, de Nicolas
Provost (Bélgica) com fotografia de Aldo Piscina e montagem de Julie Brenta
Vida longa à era digital.

Melhor Som: SHOUM, de Katarina Zdjelar (Sérvia)
Pro mais simples, bem-humorado, criativo e eficaz uso de som.

Premiação ABD/APECI

Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas, seção
Pernambuco/Associação Pernambucana de Cineastas

O olhar do realizador

Melhor curta nacional
FANTASMAS, de André Novais de Oliveira (MG)

Melhor curta internacional
SHOUM, de Katarina Zdjelar (Sérvia)

Prêmio Especial ABD na Janela

JANELA MOLHADA, de Marcos Henrique Lopes (PE)

Prêmio Fepec
Federação Pernambucana de Cineclubes

Filme Para Reflexão à "As Aventuras de Paulo Bruscky", de Gabriel
Mascaro (PE).

Prêmio Janela Crítica

Long Live the New Flesh, de Nicolas Provost (Bélgica)

Fantasmas, de André Novais Oliveira (MG)

Fôlego do cinema de Pernambuco



A presença de quatro produções pernambucanas inéditas no 43º Festival de Brasília é mais uma prova do bom momento do cinema feito no estado. O evento, que começa na próxima terça-feira e segue até o fim de novembro, costuma aplaudir filmes que refletem o atual momento político e apostam na criatividade narrativa.

Foi assim com os longas Baile perfumado, Amarelo manga, Baixio das bestas e curta-metragens de Camilo Cavalcante e Kleber Mendonça Filho, todos premiados em edições anteriores do festival.

De forma que Vigias, de Marcelo Lordello, Café Aurora, de Pablo Pólo, Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros e My way, de Camilo Cavalcante, os novos selecionados para as mostras competitivas deste ano, já entram no páreo com esse background a favor.

Para saber um pouco sobre cada um, o Diario conversou com os realizadores. Confira a seguir.


Zelando pelo sono dos outros - Selecionado pelo Concurso de Roteiros Rucker Vieira, Vigias já foi visto no Recife no formato curta-metragem, em sessão especial promovida pela Fundação Joaquim Nabuco.

O novo corte também converte o documentário para o suporte 35mm, o que deve dar a ele novas cores e luzes. ´A narrativa agora está completa`, diz Marcelo Lordello, um dos realizadores da Trincheira Filmes. ´Ela precisava de mais espaço e tempo para dar conta de todos os personagens`.

Tudo foi feito com R$ 27 mil, impostos descontados. Para viabilizar o transfer para a película, o cineasta Daniel Aragão viajou para Los Angeles, onde o processo é 80% mais barato do que no Brasil.

Como o título sugere, os personagens do filme de Lordello são aqueles que ficam atentos nas portas dos condomínios, zelando pelo sono dos moradores. Seu recorte é mais sensorial do que geográfico.

Durante várias noites do Recife, uma equipe reduzida de sete pessoas visitou profissionais da vigilância da cidade.

´Meia hora de conversa bastava para entender o tipo de abertura e começar a filmar. Não queria um filme de pesquisa de personagem, de vida anterior. Em vez de obedecer algum tipo de dispositivo, me permiti sentir o tempo e observar a relação que se estabelece na hora`, explica Lordello.

Melancholic frevo - Veterano em Brasília, Camilo Cavalcante não adianta muito sobre My way, seu novo curta de ficção.

´É uma pequena parábola sobre a solidão humana. E nada melhor do que o Galo da Madrugada, esse bloco enorme, para encontrar mais um sofrendo na multidão`. Na base de duas câmeras (ele e Camilo Soares), um ator (Silvio Pinto, com quem já trabalhou em O presidente dos Estados Unidos), e muito suor, Cavalcante considera que fez um vídeo experimental, de resultado "bem emocionante".

´Vai de Vassourinhas a My way, de Frank Sinatra. Se disser mais, perde a graça`, diz o realizador, que convida o público recifense a comparecer no Festival de Vídeo de Pernambuco, que também selecionou o curta.

Vivendo o momento - ´O filme é uma ode ao detalhe`, diz o diretor Pablo Pólo, sobre Café Aurora, seu primeiro projeto 100% autoral. Ele está ansioso para sentir o retorno do público de Brasília. ´É meu momento de realização artística, pois estreei como ator muito novo, depois me afastei e sempre havia uma lacuna para me expressar artisticamente`.

O projeto surgiu anos atrás, a partir da simples ideia de um personagem que se apaixona por outro. Ele é um barista que encara o desafio de se comunicar com ela, uma artista plástica que faz uma escultura e dá um tempo para tomar um café. ´Hoje vivemos conectados, escrevemos no computador enquanto ouvimos música. E no filme é o contrário, eles se desconectam do mundo, se dedicam a curtir o momento. A capacidade de viver as situações de forma profunda é o que une os personagens`.

Tem gente no Canavial - Acercadacana é resultado de um processo de aproximação com a agricultora Maria Francisca, que há 40 anos mora em terreno rodeado por plantações de cana na Zona da Mata Norte e está ameaçada de perder a terra para um grupo usineiro.

O engajamento político dos realizadores evidencia a desproporção da disputa pela terra. ´Queremos discutir os lugares de poder e as possibilidades do cinema documentário interagir com isso`, diz o diretor Felipe Calheiros. ´Ao mesmo tempo, há cuidados que podem interessar do ponto de vista da construção da narrativa e montagem`.

A justiça concedeu o direito de usucapião a Dona Francisca, mas a usina recorreu e o caso ainda transcorre nos tribunais. Ela estará em Brasília com os realizadores e juntos divulgarão uma campanha pelo limite da propriedade da terra, uma proposta de emenda constitucional pela reforma agrária.

Brasília costuma receber bem filmes politicamente posicionados. Nesse sentido, Acercadacana tem tudo para se dar bem no festival. ´Tudo faz crer que a discussão vai ser boa. Estamos curiosos para essa sessão`.

Desde o início, o projeto foi bancado pela própria equipe. Para fazer o transfer para a película 35mm, houve aporte de R$ 40 mil da Fundarpe. Após a visibilidade obtida em Brasília, a ideia é começar a produção de um longa sobre o contexto da cultura do etanol.

(Diario de Pernambuco, 21/11/2010)

Jarbas vence o BH Humor



Uma caricatura inédita de Jarbas Domingos, da equipe de arte do Diario, foi premiada com o primeiro lugar do Salão Internacional de Humor Gráfico de Belo Horizonte (MG).

Este é o terceiro prêmio conquistado pelo artista este ano e o primeiro de sua carreira como caricaturista. A inovação em representar o personagem, o cantor Gilberto Gil, foi decisiva para convencer a comissão julgadora, formada por Chico Marinho, Marcelo Lélis, Lor, Márcio Leite e o mexicano Angel Boligàn.

Arte de Jarbas Mestre na arte da aquarela, Lélis diz por telefone que foi uma escolha difícil, pois o nível dos trabalhos estava alto. ´Jarbas ganhou com mérito, talvez apontando novos caminhos para a caricatura. Me chamou a atenção a forma como ele resolveu o desenho, com uma composição diferente, baseada em recortes. E ficou parecido demais com o Gil`.

Jarbas fez um desenho 100% digital, dentro do conceito que remete a recortes e colagens em papel. ´É uma técnica pouco vista. É importante premiar trabalhos assim, queampliam a diversidade de estilos. Todos anos temos vários salões e normalmente os vencedores são estudados e ganham seguidores`, afirma Lélis.

Esta é a terceira caricatura que Jarbas faz sobre o compositor baiano. ´Foi um caminho longo até chegar ao simples. O importante na caricatura é distorcer e ao mesmo tempo deixar a pessoa parecida para que seja percebida rapidamente`. Gilberto Gil será o primeiro de uma série de desenhos que passarão por Michael Jackson, Susan Boyle e Lady Gaga, a ser publicada nas páginas do Diario.

Organizada pela associação Cartuminas e a Prefeitura de Belo Horizonte, o BH Humor está em sua segunda edição e recebeu mais de 1.400 trabalhos de 30 países. Destes, cem foram selecionados para a exposição e seis foram premiados com troféus e o total de R$ 30 mil.

(Diario de Pernambuco, 19/11/2010)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Coluna de Cinema da semana

Lançamentos



Kurosawa - Volume especial para os admiradores de Akira Kurosawa, as memórias da sua principal assistente, hoje com 83 anos, são um registro íntimo do mestre e seu ofício. Há casos curiosos, como o do incêndio que quase inviabilizou a existência de Rashomon (1950), obra prima que após ser premiada em Veneza projetou o artista para o mundo. O título do livro remete ao hábito de Kurossawa de aguardar a formação de nuvens e, portanto, a luz ideal para rodar as cenas.
À ESPERA DO TEMPO - FILMANDO COM KUROSAWA. DE TERUYO NOGAMI. 320 PÁGINAS. COSACNAIFY.



Blockbusters - O sucesso de Tropa de Elite 2 motivou a nova edição da tradicional revista de cinema brasileiro. Com o tema Arrasa-quarteirão - os filmes brasileiros que todo mundo viu, a publicação traz matérias sobre os filmes-fenômeno de cada época, dos filmes silenciosos (por Luciana Corrêa de Araújo) ao século 21. Entrevistas com especialistas em atrair público como Daniel Filho (sem papas na língua) e um perfil de Roberto Farias são boas atrações. Também disponível em versão online.
FILME CULTURA Nº 52. 98 PÁGINAS. MINC.



Nos cinemas - O novo paradigma de distribuição estabelecido por Tropa 2 não invalida este estudo, que aborda a estratégia de distribuição dos filmes nacionais. Pelo contrário, torna ainda mais oportuno entender suas engrenagens a partir do caso de cinco filmes lançados em 2005. Dois filhos de Francisco, de Breno Silveira; Cabra-cega, de Toni Venturi; Casa de areia, de Andrucha Waddington; Cidade baixa, de Sérgio Machado; e Cinema, aspirinas e urubus, de Marcelo Gomes.
O FILME NAS TELAS: A DISTRIBUIÇÃO DO CINEMA NACIONAL. DE HADIJA CHALUPE DA SILVA. 176 PÁGINAS. TERCEIRO NOME.

Bastidores

Popular - Desde que estreou, o curta Do morro?, de Mykaela Plotkin e Rafael Montenegro, acumula passagem por 19 festivais, três premiações e uma menção honrosa. Nada mal, considerando que este é o primeiro trabalho dos realizadores. A conquista mais recente é no mesmo Recife cantado por João do Morro. O documentário foi selecionado pelo 12º Festival de Vídeo de Pernambuco, que começa dia 29, no Cine São Luiz.

Novo - Outro curta que poderá ser visto no Festival de Vídeo é O homem dela, de Luiz Joaquim. O filme também está selecionado para o 12º Festival de Curtas de Belo Horizonte, de 30 de novembro a 7 de dezembro. Antes, ele será exibido como parte da programação do Cineclube Dissenso (Cinema da Fundação), neste sábado, 14h.

Grátis - O Festival de Vídeo, aliás, oferece duas oficinas gratuitas: ´Realizando em 1 minuto`, com a jornalista Alice Gouveia, e ´O Estilo na Obra Cinematográfica`, com Ana Catarina Galvão. Inscrições até amanhã, via cinemafundarpe@gmail.com.

Festival - O Cine PE abriu inscrições para sua 15ª edição.

Por um bocado de dólares - Sessões lotadas e com aplausos para os dois primeiros filmes da Trilogia do dólar de Sérgio Leone no Janela Internacional já entraram para a história cinéfila da cidade. O terceiro, Por um punhado de dólares, será hoje (quinta), às 18h30, no São Luiz. Para quem perdeu Três homens em conflito, no domingo tem reprise.

Eu indico

Eu indico A face oculta (One-Eyed Jacks, EUA, 1961), o único filme em que Marlon Brando acumulou atuação e direção. Desde sempre me pegou, na veia, sem que eu saiba bem as razões. Mas arrisco: fotografia, a inexperiência de Brando na direção (estreias podem dar nessas brilhantes excentricidades), personagens e ritmo estranhos ao gênero western... e Brando ter tido coragem de substituir Kubrick.

Cristiano Santiago Ramos é jornalista