A tradição de coletivos marca o cinema de Pernambuco desde seu início e novos grupos de produção e exibição não páram de surgir. Se por um lado há um contexto favorável que permite aos novatos se especializar e aprender com veteranos, há os adeptos da old school. Eles começam do zero, desempenham várias funções e, entre amigos, adquirem experiência com os próprios projetos de produção e exibição. Quatro deles conversaram com o Diario de Pernambuco sobre suas motivações, inquietações e modus operandi.
ASTERISCO
Com cinco integrantes, seis curtas prontos e três em andamento, o coletivo Asterisco foi criado em 2008 por estudantes da UFPE. A ideia, viabilizar projetos pessoais coletivamente. Inicialmente, Felipe Peres Calheiros assumiu a fotografia; Evandro Dunoyer, a produção e pesquisa de linguagem documental; Paulo Sano, a edição e finalização de imagem; Rafael Travassos, o som direto e finalização; e Sérgio Santos, o roteiro e linguagem ficional.
“Começamos do zero e aprendemos uns com os outros”, diz Calheiros, diretor de Acercadacana. Eleito o melhor do último Festival de Brasília, o curta trata da luta de uma senhora que está sendo expulsa da casa onde vive há mais de quatro décadas por uma grande empresa, a dona do canavial.
“Depois de uma época de reflexões e projetos pequenos, começamos a produzir coisas maiores. Basicamente, cada projeto tem o seu ‘pai’. A partir disso organizamos a equipe, sempre tentando agregar parceiros aos projetos”, diz Sano, que com Travassos assina a direção de Dia de Clássico.
Para ele, o surgimento de coletivos se explica também por imposições financeiras. “Pernambuco possui hoje técnicos excelentes, mas que nem sempre podem ser remunerados da maneira adequada. Muitos dos filmes são urgentes e não podem esperar patrocínio para serem iniciados. Ainda que o setor tenha recebido um pouco mais de atenção nos últimos anos, ainda falta um longo caminho para que o lado econômico acompanhe o lado criativo”.
MORRA
Formado por Ayla Alencar, Nina Wicks e Guilherme Martins, o coletivo se uniu em setembro de 2009, pelo apetite de realizar o curta Entre pernas, uma releitura do mito da perna cabeluda. Diz a lenda, em voga nos anos 70, que uma perna peluda perseguia e atacava pessoas no meio da rua. No filme, Marília Correa, estudante de historia que começou a se interesar por teatro durante o filme. Ela interpreta a vítima, que formaliza queixa contra a perna e se vicia em técnicas para convencer o delegado. “Ela quer materializar sua loucura e usa de artifícios e seduções para fazer as pessoas acreditarem naquilo”, diz Ayla, que busca no filme a imagem crua do cinema marginal. “Nosso método é a produção jazz, onde vale a intuição, o improviso e muita sintonia. Tudo é questão de puxar a história certa pela câmera”.
Independente, a produção tem custo estimado de R$ 60 mil. Ainda não há recursos captados, mas o trabalho flui na base da colaboração de Xuruca (figurino), João Sagatio (luz) e DJ Dolores com Orquestra Cidadã dos Meninos do Coque (trilha sonora). A direção e roteiro são de Ayla, a direção de arte, de Guilherme e Nina e Frederico Ferreira assina os figurinos. A produtora Remo entra com a infra-estrutura. As filmagens começaram em novembro passado, no Armazém 14 e será finalizada em novembro deste ano. O calendário de filmagem não foi escolhido por acaso. “De acordo com os estudos astrológicos, está na hora de voltar a gravar”, diz Nina. “Estaremos no ciclo de escorpião, que favorece o profundo, o denso, o violento”.
JACARÉ
Um documentário sobre dois caçadores de jacaré na mata de Dois Irmãos foi o que primeiro uniu João Lucas, Rafael de Amorim, Hugo Coutinho e Leandro Santonianni, em 2008. Pedro de Andrade entrou após estudar com João Lucas no Centro de Formación Profesional del Sindicado del Cine Argentino, em Buenos Aires. “Já éramos amigos antes de Jacaré e essa amizade ainda hoje é um dos alicerces do grupo. Além disso temos também uma lógica de trabalho onde todos fazem tudo, o que é bastante dinâmico”, diz João Lucas. Logo depois veio Cinema Império, de Coutinho, sobre o cinema de rua que funcionou até 1979, no bairro de Água Fria. De acordo com Hugo, a ideia é continuar o projeto, desta vez, com os antigos cinemas do interior. Antes disso a turma lança Véio Peru. Além deles, a Jacaré produziu O Ano Passado em Itamaracá, em parceria com a Dipjurah Pictures de Germano Rabelo.
DISSENSO
De um blog/projeto de conclusão do curso de jornalismo nasceu o Cineclube Dissenso, que reúne Rodrigo Almeida, Luís Fernando Moura, André Antônio, Fernando Mendonça, Hermano Callou, Paulo Faltay, Pedro Neves e Tiago Correa. Já na origem, em 2008, o motivo principal é discutir cinema. A exibição veio depois. “Não queria escrever ensaios para deixar na gaveta. Então convidei algumas pessoas, fizemos reuniões e resolvemos que uma boa forma de atrair as pessoas seria exibir um filme a cada semana”, diz Almeida. Ano passado o coletivo migrou da UFPE para o Cinema da Fundação. Desde então, são mais de 50 sessões e 100 filmes exibidos. “Na Federal todos as sessões eram surpresa. Cada um levava um filme e decidíamos qual seria na hora, para as pessoas não chegarem com um discurso pronto. Na Fundação, para atrair
público tivemos que divulgar os filmes com antecedência, mas mantemos a ultima
de cada mês para que a ideia original não fique descaracterizada”.
Luiz Fernando Moura explica o critério que guia a escolha de filmes. “Se o filme não for muito conhecido, melhor. Queremos filmes bons que são pouco acessíveis, sem distribuição no Brasil ou que teve uma sessão perdida em alguma mostra. Filmes nacionais com a presença do realizador e que problematizam a linguagem do cinema também são bem-vindos”.
Entrevista // João Lucas (Coletivo Jacaré)
Existe uma unidade que caracteriza os filmes do coletivo?
Desde Jacaré procuramos ter uma relação especial com os personagens dos filmes. A idéia é deixar que os personagens se mostrem da forma mais natural possível. Propomos uma relação mais amistosa com eles, nos colocamos na frente da câmera e buscamos quebrar essa relação hierárquica entre entrevistado e entrevistador. A idéia foi essa quando nos juntamos com os caçadores para caçar juntos o jacaré. Se repetiu em Cinema Império, pois as entrevistas eram
como conversas informais. Em Véio Peru, ainda inédito, essa informalidade guiou o filme, feito em uma só tomada e sem a pretensão de ser documentário. A gente quer deixar a câmera invisível para que a atenção maior seja no papo, sem a forma convencional de pergunta-resposta.
Quais as principais dificuldades para viabilizar um filme?
Hoje a gente sabe que por conta do digital é mais barato fazer filme do que na época em que só existia a película. Mesmo assim cinema é um trabalho caro. É difícil imaginar alguém que vive bem só de realizar filmes, os trabalhos técnicos de edição, câmera e som para TV, cinema e shows e até publicidade (embora não tenhamos feito nada nessa área ainda) são essenciais para a manutenção de uma produtora. De qualquer forma, também é fato que Pernambuco hoje é um estado privilegiado na área do audiovisual, aqui são oferecidos muitos incentivos o que nos faz ter essa relação financeira com o governo. Fazer filmes independentes não é a coisa mais vantajosa, a não ser pelo prazer de filmar e na verdade todos os nossos filmes são independentes.
Como vocês pensam estratégias de exibição e distribuição?
Cinema Império foi realizado junto com uma sessão do filme O Ébrio, na frente do antigo cinema do mesmo nome em Água Fria. Jacaré foi exibido durante o festival Pai da Mata, no Curupira, em Dois Irmãos. Temos uma idéia de exibir os filmes em lugares que de alguma forma se relacionam com o próprio filme ou os personagens. Coque: Histórias da Terra também terá sessões especiais no bairro. A idéia é que o filme pertence ao lugar e as pessoas que o fizeram. A internet também é um meio de disponibilizar os filmes, por enquanto temos uma página no Vimeo e ainda não colocamos todos os filmes. Sempre pensamos em fazer DVDs pois essa ainda é a mídia mais popular para filmes.
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