sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Retrospectiva 2010 // Um ano atípico para o cinema

2010 foi um ano atípico para o cinema. Para os brasileiros, a principal notícia é que produtos nacionais derrubaram a supremacia gringa. Tropa de Elite 2, Nosso Lar e Chico Xavier atraíram quase 20 milhões de brasileiros aos cinemas. Isso quer dizer que Capitão Nascimento não bateu apenas em traficantes e políticos corruptos mas em Avatar, Shrek, Eclipse e Toy Story 3. Com 11 milhões de espectadores e mais de R$ 100 milhões arrecadados, Tropa 2 é o filme nacional mais visto das últimas décadas e a maior bilheteria de todos os tempos. Com distribuidora própria (Zazen), desafia também um sistema dominado pelas norte-americanas Sony, Warner, Fox, Universal e Disney.

Antes de comemorar uma suposta vitória coletiva, um contraponto: Capitão Nascimento salva a própria pele, não o cinema nacional. Tropa 2, Chico Xavier e Nosso Lar cumpriram o seu papel e ocuparam todos os espaços possíveis. Nisso, filmes nacionais com bom potencial de público, como Antes que o mundo acabe e Reflexões de um liquidificador, perderam seu espaço. Essa lógica impediu o surgimento de filmes médios, entre 100 mil e 1 milhão de espectadores. O médio se tornou o grande que não deu certo. Como Lula - o filho do Brasil, que não passou dos 800 mil. Sem desmerecer o fenômeno Tropa 2, são questões a se pensar para que 2010 não seja um caso à parte.

À sua maneira, Hollywood também contrariou o padrão blockbuster quando deixou Avatar chupando o dedo e concedeu os prêmios principais do Oscar a Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow, primeira mulher a ganhar a estatueta de melhor direção. Assim, a Academia repete seu elogio às produções pequenas - Guerra ao Terror custou US$ 10 milhões – e autorais (Onde os fracos não têm vez, dos Coen, venceu em 2008; Quem quer ser um milionário, de Danny Boyle, em 2009). O recado foi claro: tecnologia é importante mas não é tudo. Na prática, no entanto, vampiros, lobisomens, bruxos, monstros verdes, bichinhos e brinquedos continuaram a mover as engrenagens do cinema pipoca.

2011 não será diferente. O selo “também em 3D” será o mais reproduzido nos materiais de divulgação de mais da metade dos grandes lançamentos como Zé Colmeia, Thor, Capitão América, Rio (de Carlos Saldanha), Besouro Verde, Piratas do Caribe e o último Harry Potter. No Brasil, o mercado se prepara e já conta com 268 salas equipadas com a tecnologia de exibição. Em 2008, eram apenas 20. Hoje representam mais de 10% do parque exibidor. No Recife, a UCI Ribeiro acaba de inaugurar três novas salas.

Enquanto isso, o maior festival do mundo radicalizou ao conceder Palma de Ouro para Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas (Tailândia), de Apichatpong Weerasethakul. Para Cannes, a luz no fim do túnel surge de um filme estranho e inventivo, considerado um alienígena em seu próprio país. Em Veneza a premiação pegou mal para o presidente do júri, Quentin Tarantino, que agraciou a ex-namorada Sofia Coppola (Somewhere) com o Leão de Ouro e seu “discípulo” Alex de La Iglesia (Balada triste de trompeta) com o Leão de Prata. Em Berlim, Roman Polanski foi impedido de receber o Urso de Prata de melhor diretor por O escritor fantasma, também vencedor do European Film Awards. O filme foi finalizado em prisão domiciliar na Suíça, onde permanece detido. Outro cineasta foi preso pelo governo de seu país. O iraniano Jafar Panahi foi condenado a seis anos de reclusão e proibido de realizar filmes nas próximas duas décadas. Cinema também é subversão.

2010 também foi um ano de grandes perdas, entre elas Blake Edwards (88 anos), Mario Monicelli (95 anos), Irvin Kershner (87 anos), Eric Rohmer (89 anos), Dino de Laurentis (91 anos) e os atores Dennis Hopper (74 anos), Tony Curtis (85 anos) e o comediante Leslie Nielsen (84 anos). Em Pernambuco morreu Germano Coelho (52 anos), produtor de e="font-style:italic;">Baile perfumado.

Ano que vem – Na esteira do ano do espiritismo no Brasil, 2011 ainda reserva o derradeiro As mães de Chico Xavier. Mas a estreia recente de Muita calma nessa hora aponta para o retorno das comédias. Entre as estreias do primeiro semestre estão De pernas pro ar (com Ingrid Guimarães), Qualquer gato vira-lata (com Cléo Pires), Cilada.com (Bruno Mazzeo), Família vende tudo (com Caco Ciocler e Luana Piovani) e o novo de Hugo Carvana Não se preocupe, nada vai dar certo. Entre os infantis estão Brasil animado 3D, Uma professora muito maluquinha e Desenrola. Possíveis hits são Bruna Surfistinha, VIPS e Xingú, em que Cao Hamburguer dirige a história dos irmãos Villas-Boas, vividos por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat.

Vitalidade - 2010 já é um ano memorável para o cinema feito em Pernambuco. Ao longo do ano várias produções em 35mm foram rodadas no estado, entre elas, País do Desejo, de Paulo Caldas, O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, Febre do rato, de Cláudio Assis e Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes. Todos devem estrear em 2011, quando serão produzidos Sangue azul, de Lírio Ferreira e Tatuagem, de Hilton Lacerda.

Igualmente inédito é o volume de produções independentes sendo realizadas em suporte digital, patrocinadas por editais cada vez mais generosos do governo estadual e por recursos federais. Com 65 trabalhos exibidos, o Festival de Vídeo de Pernambuco é a maior vitrine dessa produção. Outra leva foi feita na base da “guerrilha”, com recursos da própria equipe. Vencedor do último Festival de Brasíla, o curta Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros, é um deles.

Outros curtas multipremiados este ano são Recife frio (mais de 40 prêmios em 11 países), de Kleber Mendonça, Faço de mim o que quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio de Lorena, As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro e Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante, presentes na maioria dos festivais nacionais. O documentário Do Morro?, dos estreantes Mykaela Plotkin e Rafael Montenegro, surpreendeu ao estrear no Cine PE e circular em mais de 20 festivais do Brasil.

A volta do Cine São Luiz está entre as melhores novidades do ano. Apesar disso, o palácio do cinema pernambucano precisa definir melhor sua atuação. Durante o ano, ele virou pomo da discórdia entre o programador Lula Cardoso Ayres e a Fundarpe, que administra o local. A queda de braço diz respeito, de um lado, à exibição de filmes que atraíram pouco público, e por outro, ao excesso de eventos que impedem uma programação capaz de formar plateias.

Pernambuco também viu em 2010 o ator Irandhir Santos se estabelecer entre os grandes nomes do cinema nacional. Principalmente ao interpretar o deputado Fraga, um dos protagonistas de Tropa de Elite 2, mas também em Quincas Berro D’Água, Olhos Azuis e em breve em A hora e a vez de Augusto Matraga, O som ao redor e Febre do rato.

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