domingo, 5 de dezembro de 2010

Coragem de poeta



O poeta França vive. Se não no corpo em que habitou por 52 anos, na memória afetiva dos que conviveram com esse ser livre e, portanto, original e único. Não que Valdemilton Alfredo França, nascido no Engenho Pirapama, Cabo de Santo Agostinho, fosse melhor ou mais especial que outros. É que, diferentemente da maioria, ele abriu os olhos e ousou viver sua verdade. E, com sorriso a tiracolo, contagiante, agregador, convidou muita gente a fazer o mesmo.

França se mudou para Olinda em meados dos anos 1970 e nunca mais arredou o pé das ladeiras. A não ser quando seu projeto itinerante, "Eu, poeta errante", o levava até outras paradas. Em 2007, optou por não aceitar as imposições hospitalares e não resistiu à leucemia. Antes, deixou várias marcas na cidade, como o bar Sociedade dos Poetas Vivos e as encenações da peça A cor da exclusão, inspirada em Solando Trindade. "Ele foi poeta, educador, capoeirista, encenador, ator e músico. O corpo era o seu suporte", diz Rafaela Valença.

Já em desenvolvimento, o projeto Poeminflamado - A voz tridimensional do poeta França pretende digitalizar, sistematizar e catalogar sua obra e, ao mesmo tempo, realizar o último desejo do artista. "Ele queria reunir seus livros, A cor da exclusão (1998) e Cafuné (2003), com textos avulsos de agendas, cartões e novos poemas", diz a coordenadora do projeto, Laine Amaral.

Realizado com recursos do Funcultura, a publicação deve ser lançada em março de 2011, terá 240 páginas e um CD/DVD encartado com imagens de França em diferentes fases e situações, acervo essencial para que os que não o conheceram possam entender sua poesia. O projeto ainda prevê o lançamento de um site com todo o material digitalizado.

Campanha - Ao longo de suas andanças, França foi largamente registrado por amigos e admiradores. Para chegar a esse material, os produtores pedem aos que fotografaram ou filmaram França em recitais, rodas de capoeira e encenações teatrais, que colaborem com o projeto disponibilizando esse material. "Precisamos preservar esse acervo espalhado pelo mundo. Hoje as pessoas sabem quem é França, mas não podemos dizero mesmo das próximas gerações", diz Mateus Sá, que coordena a parte fotográfica do projeto.

"É ele quem vem na frente. Queremos intervir ao mínimo, deixar que ele revele o caminho", diz Laine, que trabalhou com França no Teatro de Amadores de Olinda e centraliza o recebimento do material, através dos telefones (81) 9618-8182 / 3434-9832 e email llaine@bol.com.br.

Outros amigos e parceiros de França se mobilizaram em torno do projeto. Além de Rafaela, Laine e Juan Martins, Poeminflamado reúne ilustrações de Mascaro, projeto gráfico de João Lin, capa e tipografia de Sil, ex-companheira com quem mantinha a editora artesanal Mãos de Veludo, e texto de André Telles do Rosário, que analisa o trabalho do poeta dentro do contexto da poesia de rua. Mariano Pickman é responsável pelo material em vídeo e pela coleta de depoimentos de familiares, que apoiam a iniciativa.

(Diario de Pernambuco, 28/11/2010)

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