sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Série Novos Olhares // Cinema não se faz só com diretores


A prática pode ser uma grande escola. E por muito tempo a única, para quem quis aprender cinema em Pernambuco. A novidade é que a atual sequência de produções gerou um ambiente de continuidade e procura por mão de obra específica. Mais dinheiro para patrocínio e o consequente aumento do número de pessoas envolvidas são fatores que tem estimulado essa especialização. Isso contraria um movimento histórico, em que o grande objetivo era chegar ao posto de diretor. Hoje contamos com jovens assistentes de produção, direção, fotografia e especialistas em seleção e preparação de elenco, arte, figurino, continuidade e montagem.

“Desde o Ciclo do Recife cultivamos essa aura mitológica em torno dos diretores. Mas não se pode fazer um cinema só de diretores. O avanço dessa nova geração é que ela percebe que há muitas outras funções. De certa forma, isso cria um núcleo criativo de pessoas que trabalham com ligação emocional e profissional”, diz Paulo Caldas. Há poucos meses, com a realização de seu novo filme, País do Desejo, novos nomes foram agregados à equipe com quem trabalha há quase 20 anos. Além disso, o diretor estabeleceu parceria com o curso de cinema da UFPE, que mobilizou quatro alunos para produzir o making of.

“É um percurso curioso. Na época em que comecei, nunca entrei num set de filmagem que não fosse o meu”, diz Marcelo Pedroso, da Símio Filmes. “Não havia tantos filmes sendo feitos e a gente preferia pegar a câmera e sair filmando”. Com dezenas de filmes em dez anos de atividade, a própria Símio tem sido incubadora de novos profissionais. “Eles entram com um background que nunca tivemos, obtido via tecnologia da informação, um repertório muito grande. Há dez anos a internet ainda estava engatinhando, conseguir acesso a filmes era uma guerra. E hoje é possível assistir filmes de qualquer época ou nacionalidade. Sem falar que alguns estão estudando cinema na universidade, têm bastante propensão a assimilar conteúdo. Daqui alguns anos essa galera vai começar a fazer filmes e podem pintar boas surpresas”.

Kleber Mendonça Filho vê algo de inédito nessa possibilidade. “Esse tempo todo produzimos cineastas que estudaram cinema de forma empírica. Eu mesmo sou de uma geração que estudou jornalismo pra chegar mais perto do cinema. Estou muito interessado em ver os artistas que podem sair dessa escola”. Enquanto isso, o método tradicional de formação de cineastas continua valendo. Em agosto, o set de O som ao redor, seu primeiro longa, foi escola para Leo Lacca, Daniel Bandeira, Juliano Dornelles e Daniel Aragão, que devem utilizar a experiência em breve, em seus próprios filmes.

Marcelo Gomes, que aprendeu estagiando em produções enquanto estudava cinema
na Inglaterra considera Baile perfumado fundamental para sua formação. No seu set, ele diz ser primordial contar com sangue novo. “Já tinha esse pensamento quando rodei Cinema, Aspirinas e urubus, de chamar pessoas em início de carreira. Na época chamei Gabriel Mascaro, Daniel Aragão, Pedro Sotero. Eles vêm com novas ideias e informações, que a gente aprende com eles. Espero continuar isso agora, com o novo filme”. Em outubro, Gomes filmou Verônica, nome provisório para seu terceiro longa. “Cinema é um trabalho que demanda dez, às vezes doze horas de trabalho diário. Por isso é importante trabalhar com gente com muita energia e vontade de fazer cinema”.

Escola formal - Uma das consequências do cenário favorável para produção de filmes no estado é o surgimento de três cursos de graduação. O mais abrangente foi fundado ano passado, na Universidade Federal de Pernambuco. Os resultados começam antes mesmo da primeira turma se formar, com estagiários trabalhando nos novos filmes de Paulo Caldas, Cláudio Assis, Marcelo Gomes e Kleber Mendonça.

“Nossos alunos rapidamente se encaixam nas produções”, diz o professor Paulo Cunha, fundador do curso o qual coordenou até o mês passado e atualmente dá aulas de cinema brasileiro. Para ele, a relevância da graduação está atrelada ao crescimento do sistema de produção. “O projeto foi montado para estar com um pé na produção real, onde ele se complementa. Por isso, uma parte da carga horária pode ser preenchida com o trabalho feito nas produtoras”.

Ao longo de quatro anos, disciplinas como história e teoria do cinema são aliadas à prática em campo e no laboratório. “É preciso se alfabetizar para a linguagem audiovisual. Tem alunos que trabalham sem ter visto um Hitchcock ou um Godard. É uma oportunidade para refletir e experimentar a própria pegada, pois quando ele chegar na produtora tem que fazer o que os outros mandarem”, diz Cunha.

O Laboratório de Imagem e Som da UFPE está disponível não só para alunos de cinema e conta com equipamento de ponta e uma midiateca com 330 títulos. Desde o mês passado, três ilhas Mac Pro Octacore para edição de imagem e som estão em funcionamento. Entre as novas aquisições estão câmeras de alta resolução Panasonic HPX300. O objetivo é suprir a necessidade educacional e tornar o espaço uma pequena produtora. “Queremos promover atividades extracurriculares e fazer parcerias para fazer algo mais dinâmico, um laboratório de criação e formação de novos técnicos”, diz o professor Camilo Soares, coordenador do LIS.

Fundado em 2007, o curso de cinema de animação da Faculdade Barros Melo - Aeso deve formar no ano que vem a primeira leva de animadores. De acordo com o coordenador, Leonardo Castro, no curso é possível aprender diferentes técnicas de animação para cinema, videogames e celular, além de efeitos visuais para filmes live-action. Criada em 2005, a produtora BAM Studio é incubada pela faculdade e tem no portfólio títulos premiados como Jumento Santo, A morte do Rei de Barro, O homem planta, e o videoclipe A sorte, da banda Volver.

Voltado para profissionais, os cursos de formação e capacitação técnica do Centro Audiovisual Norte-Nordeste são uma parceria entre a Fundação Joaquim Nabuco (Ministério da Educação) e a Secretaria do Audiovisual (Ministério da Cultura). “São cursos de aperfeiçoamento para quem já atua na área, mas trabalha de forma empírica, com os amigos”, diz Isabella Cribari, diretora de cultura da Fundaj. Ministrados por especialistas de todo o país, os cursos são elaborados a partir de carências apontadas pelo mapeamento do audiovisual realizado em 2005 pelo Sebrae. Os mais requisitados são como desenho de som, fotografia subaquática, produção digital e montagem. A próxima turma será de direção de arte, com Vera Hamburguer.

Números

200 alunos estão matriculados no curso de cinema da UFPE. A capacidade é de 400

Em três anos, o Canne promoveu 73 cursos para 1500 pessoas de 13 estados do
Norte e Nordeste

80 vagas disponíveis para curso de cinema de animação da Aeso

O curso de cinema digital da Faculdade Maurício de Nassau oferece 240 vagas

180 alunos formados pelo curso de formação técnica da Aurora Filmes; 30 destes
atuam no mercado

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