Tião finalizou seu primeiro filme aos 25 anos e com ele conquistou um prêmio inédito no festival de cinema mais prestigiado do mundo. Para os desavisados, foi uma surpresa meteórica. Só que até Muro chegar à sua forma final, alguns anos se passaram. O curta nasceu a partir de ideias que o diretor trazia desde adolescente, teve seu roteiro trabalhado por mais de um ano, foi realizado com recursos públicos (e uma parte do próprio bolso) e com o trabalho de vários amigos.
Tudo começou com a fundação da Trincheira Filmes em 2003, por ele, Leo Lacca e Raul Luna. Primeiro veio o projeto coletivo Eisenstein. Depois, os trabalhos individuais: Ventilador e Décimo segundo (Lacca), Número 27 e Vigias (Marcelo Lordello). Atualmente, enquanto trabalha na produção de Animal político, Tião participa de outros novos projetos da Trincheira: Eles voltam, de Lordello, o curta Ela morava na frente do cinema, de Lacca (que também prepara o primeiro longa), além de outro curta de Tião e Nara Normande, Sem coração. Em entrevista ao Diario, Tião fala sobre sua breve e notável trajetória. Aos novatos, aconselha: “sejam corajosos e acreditem nas ideias”.
Muro estreou no cobiçado Festival de Cannes. Há um “caminho das pedras” para chegar lá?
Fiz o caminho mais óbvio: preenchi os formulários e mandei uma cópia pra lá. Muita gente apressa o processo de um filme para colocá-lo em determinado festival. É importante não forçar esses limites e respeitar o processo, fazer um filme em que se acredite e trabalhar nele o tempo necessário. Cada filme tem um tempo próprio e isso é muito importante. Em Muro, trabalhei por muito tempo e com isso pude ver com mais clareza.
O que motivou a realizar Muro?
Primeiro, um sentimento forte presente em várias ideias desde que comecei a pensar em cinema. Eisenstein foi meu primeiro filme, mas as ideias de Muro vieram antes. Anotei e vi que entre essas ideias, lugares e épocas, pensadas para suportes diferentes, falavam mais ou menos a mesma coisa e também falavam umas pra outras. Então decidi juntá-las no mesmo lugar, pois precisava falar sobre elas, expressar num filme, quase como um prefácio. Precisava falar isso pra depois pensar em outras coisas.
E de que ideias você trata no filme?
É uma resposta simplesmente a estar aqui, agora. É sobre uma carga histórica de violência, que vem da gente, pois não existe personagem fora da sociedade violento assim. Falam que é algo de gênero, que a mulher sofreu mais violência histórica, mas acho que é uma coisa humana. E tem a corrida em direção à frente, a noção de progresso, que eu tento questionar.
Nos últimos meses, você tem se dedicado a seu novo filme, Animal político, que deve se tornar um média-metragem.
Ele foi aprovado como curta pelo edital da Fundarpe, mas agreguei novas partes. Ele foi crescendo com o tempo, porque quis fazer algo inverso a Muro. Como antes do roteiro de Muro não tinha feito nenhum filme, fazer o roteiro era como fazer a obra, demorou um ano e seis meses. Isso gerou umroteiro muito sólido, com estrutura parecida ao filme. Na filmagem isso até atrapalhou, pois fiquei preso à força do roteiro. Em Animal político, quis lidar com um processo mais imperfeito. Já filmamos uma parte, vamos começar outra daqui a um mês e ainda estou fazendo o roteiro, que continua aberto a ponto de permitir que no processo de montagem seja escrito mais alguma coisa.
Curtas enfrentam problemas específicos para serem exibidos. Como você pensa estratégias para seus filmes?
Muro teve uma boa exibição em festivais, mas o que me incomoda é a diferença de tratamento e de repercussão dos curtas com relação
aos longas. E isso é uma coisa muito do cinema, a literatura absorve bem o formato curto e longo, as artes plásticas também - não importa se o objeto tenha um metro ou cinco. Sei que os curtas estão muito distante do circuito comercial, mas se eles não podem ser vistos por esse público, que sejam por pessoas que estudam cinema, jornalistas, professores.
Você tinha 20 anos quando a Trincheira foi fundada. Como foi o começo?
Ainda no colégio, tocando em bandas diferentes, eu e Leo Lacca assistimos filmes americanos de estúdio como Cidade dos sonhos, Magnólia, Quero ser John Malkovich. Esse último foi muito importante, porque percebemos que dava pra colocar qualquer ideia, por mais absurda, dentro de um filme. Depois o Raul Luna entrou e nos empolgamos com essa possibilidade e começamos a escrever o roteiro de um longa, um policial absurdo, por puro prazer de se encontrar e traficar ideias para o filme.
Você procurou formação específica antes de partir para a prática?
Formação em cinema não tive quase nada, aprendi fazendo e com Leo, Marcelo e outros amigos, trocando informação, assistindo filmes. Eu tinha vontade de fazer um curso para aprender a lidar com câmera, mas não tinha muitas opções na época. Leo e Marcelo fizeram cursos na Fundaj. Depois participamos de um curso na UFPE, onde conhecemos outras pessoas como Gabriel Mascaro, Felipe Cabeça. Pensamos em estudar no Rio, ter um conhecimento sistematizado, mas isso tem prós e contras. Se por um lado podemos aprender o que há de bom e ter alguém para dialogar, a personalidade da pessoa que ensina influencia o seu trabalho.
O que um realizador iniciante precisa para começar bem no cinema?
Para fazer um bom filme, antes de tudo, é preciso ter a ideia. E ser honesto consigo, fiel com o que pensa. Tudo precisa servir a essa ideia. Por isso, é necessário ser corajoso e acreditar nelas. Essa convicção faz bem para o filme. E para isso prevalecer, é bom trabalhar com amigos, mais até do que manter um esquema profissional, achando que isso vai assegurar alguma coisa. O ideal pra mim é trabalhar não com muita gente e quanto mais amigos, melhor. Não sei se todos os filmes dá pra trabalhar nesse esquema, mas seria o ideal. Fora isso, trabalhar com vontade, com prazer, para ter boas recordações. Nós, da Trincheira, queremos moldar o processo, não moldar o filme à estrutura, mas a estrutura ao filme. Isso tem um custo, mas se é para gastar dinheiro, é nisso que vale a pena.
O que te move a fazer filmes?
Me interessa muito o que as outras artes podem trazer para o cinema, que é uma convergência de artes. Fotografia, texto, minha formação artística é isso. Não vim do cinema, não “sou” do cinema. A noção de que posso trazer coisas de outros lugares para mim é mais interessante do que o cinema em si, do que ficar o tempo todo dentro do cinema, que é um canal interessante. Pena que a forma como ele vem sendo usado nos últimos anos o transformou em algo inofensivo. A classe média vai ao cinema, é uma coisa social, vai porque está no shopping, é como fazer palavras cruzadas. Comparar essa situação com os cineastas que existem e já existiram, é um potencial perdido. Para a maioria, cinema deixou de ser arte. Mesmo assim acho interessante a relação que existe no Recife, aqui temos um cenário especial, o cinema que se faz aqui está na mídia, há incentivo. E quando pessoas assistem a estreia de um curta numa segunda-feira, com sala lotada, a perspectiva só pode ser boa.
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