terça-feira, 23 de novembro de 2010

A dor e delícia de morar no Recife



A combinação entre amizade e trabalho tem rendido bons resultados no cinema. Há sete anos, um grupo unido por essas afinidades estreava no formato longa-metragem. O resultado foi Cinema, Aspirinas e urubus, filme que, com o respeito da crítica e resultado comercial positivo, contribuiu para a atual imagem do cinema pernambucano, de autor, em busca de novas possibilidades narrativas e que, mesmo sem fazer concessões, se destaca nas bilheterias. Há cinco semanas, a mesma equipe que assina o longa trabalha na realização de Era uma vez Verônica, novo longa, escrito e dirigido por Marcelo Gomes. As filmagens seguem até o fim de novembro, em diferentes locações do Recife. O filme deve ficar pronto em setembro do ano que vem.

´Sete é um número cabalístico`, brinca Gomes, pouco antes de rodar no set montado no bar Catamarã/Vapor 48, Cais de Santa Rita, no último domingo. O cenário é de festa de formatura, onde a cantora Karina Buhr é a principal atração. Na parede são projetados três curtas de Cao Guimarães, diretor mineiro com quem Gomes deve rodar seu próximo filme, O homem das multidões.

´Trabalhar com os amigos dá uma cara para nosso cinema, eles sabem do que gosto, um cinema bem naturalista. Estou muito feliz com o resultado`. Mas o espírito de continuidade em Verônica vem não só porque a equipe principal é praticamente a mesma mas porque representa o próximo passo de uma busca estética. É a primeira vez que Gomes filma no Recife, cidade que já conta com um volumoso repertório imagético. No entanto, assim como aconteceu com o Sertão de Aspirinas, isso não deve impedir o surgimento do olhar pessoal de Gomes para sua cidade natal.

´A linguagem que busco não é documental ou romanesca mas de crônica, entre a ficção e o documental, não do Marcelo mas de Verônica. Tem o Sol, mas tem a melancolia. É luminoso mas nem tanto. É quente mas ao mesmo tempo sopra o vento`. A origem do projeto, desenvolvido nos últimos quatro anos, vem do desejo do diretor de contar histórias sobre jovens estudantes em sua transição para a vida adulta, profissional, centrada no cotidiano. ´É sobre a dor e delícia de morar no Recife. O cinema dá espaço para essa poesia em torno do amor, desamor e crises existenciais que existem nos filmes de Bergman, mas que aqui se misturam com nossos próprios problemas. Quero mostrar esses dilemas na cidade em que vivo, onde mesmo em crise, é preciso pegar um ônibus lotado debaixo de um Sol de 40 graus`.

Parceria constante

Verônica e Gustavo, ou melhor, Hermila Guedes e João Miguel, vivem o par romântico desta crônica sobre ser jovem no Recife. A parceria não é nova - apenas para citar duas, eles já trabalharam juntos em Aspirinas e O céu de Suely. "A gente tem tanta intimidade em cena que dá medo. Às vezes nem parece que a gente está atuando", contou Hermila, no intervalo da filmagem do último domingo.

A atriz descreve Verônica como uma pessoa em formação, que precisa começar a existir para o mundo. "Isso é duro, muitas vezes numa sociedade que reprime tanto. Talvez a crise dela seja ter que ser tantas Verônicas e não estar preparada para ser nenhuma". Com a personagem, uma psiquiatra recém-formada atenta aos pacientes, amigos e em busca de si, Hermila aprendeu a olhar de outra forma para as pessoas e para a cidade. "Ela tem consciência do que está vivendo e é uma grande observadora, por isso o conflito". Comum enter as duas está o gosto pela balada, por se jogar na noite. "Eu gosto de misturar, pra mim, atriz e personagem é uma coisa só".

João Miguel explica o engenheiro naval Gustavo como alguém que se aproxima de Verônica, como quem quer curtir, sem que isso interfira muito em sua vida. "Ele é mais uma estrela na constelação em torno dela, uma testemunha secreta desse subjetivo feminino. Aparentemente, ele não tem nada a ver e acaba se apaixonando".

Verônica é a quarta produção pernambucana de que o ator baiano participa. Para ele, a nova parceria com Marcelo Gomes é essencial. "Não é um convite qualquer, é a confirmação de um cinema a que pertenço, é de onde eu vim. Ele faz filmes em que a linguagem é tão importante quanto estar inserido no mercado. Essa busca e paixão permitem correr riscos e se jogar no abismo".

Produção cresce em Pernambuco

Há 12 no mercado, a Rec Produtores é reconhecida como selo de qualidade no ramo do audiovisual. Após Verônica, suas próximas empreitadas serão Tiradentes, coprodução com o espanhol José Maria Morales, produtor de La teta assustada sobre os 200 anos da libertação da américa espanhola, Tatuagem, novo longa de Hilton Lacerda e a coprodução de Boa sorte meu amor, de Daniel Aragão.

À frente da produtora, João Vieira Jr. diz que considera 2010 uma ano atípico, pois desde fevereiro vários longas foram produzidos na cidade. "O cenário está melhor, em boa parte pelo aperfeiçoamento do edital estadual e pela visibilidade de nosso cinema. Contar com 20% do orçamento com dinheiro do estado fortalece o diálogo com novos investidores. Isso é importantíssimo, mas ainda não realizei meu sonho de produtor, que é fazer três ou quatro filmes com novos diretores que estourem tanto de público que não precisem passar por editais de fomento".

A sintonia com Marcelo Gomes é entendida por João como um desdobramento da amizade que já tinha com o diretor. ´Ele estudou muito para ser diretor, passou por todas as funções e observava a minha atuação ainda no tempo em que trabalhava com publicidade na Center. Essa experiência me ajudou a gerenciar melhor as produções, pois precisava satisfazer os clientes`.

A produção de Era uma vez Verônica movimenta uma equipe de 50 pessoas e um orçamento de R$ 3 milhões, dois terços captados. A sequência mais complexa foi filmada numa ladeira de Olinda, onde 300 figurantes simularam um dia de Carnaval. Na noite de domingo, 200 pessoas foram chamadas para compor a festa universitária. As próximas semanas são voltadas para cenas noturnas, em bares como o Central e da Rua Tomazina (Recife Antigo).

Por dentro do set

Elenco: Hermila Guedes, João Miguel, Renata Roberta, Inaê Veríssimo, Anthero Montenegro

Roteiro e direção: Marcelo Gomes

Direção de fotografia: Mauro Pinheiro Jr.

Direção de arte: Marcos Pedroso

Figurino: Beto Normal

Montagem: Karen Harley

Som direto: Evandro Lima

Produção executiva: Nara Aragão

Direção de produção: Dedete Parente Costa e Livia de Melo

Produção: REC Produtores e Dezenove Som e Imagem

Orçamento: R$ 3 milhões

Patrocinadores: BNDES, Petrobras, Neoenergia, Fundarpe

Distribuidor: Imovision

(Diario de Pernambuco, 23/11/2010)

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