Como surgiu a Marca de Fantasia?No início, Marca de Fantasia era um fanzine que eu editei aqui em 1985. Quando eu voltei da França, onde fiz meu doutorado de sociologia comparando o modo de produção entre os fanzines brasileiros, portugueses e franceses, achei interessante fazer um projeto editorial, e não apenas um fanzine. Na França vi tanta coisa, principalmente no meio independente, que eu pensei em adotar essa tendência para os produtos locais. Criar o próprio mercado, independente e específico para a produção nacional. E ocupar um nicho de mercado que não era ocupado pelas editoras comerciais. Que era o mercado das livrarias especializadas, que começava a se expandir. Eu tinha dos EUA, eu vi isso crescendo na França. A idéia não era manter um título, mas um projeto editorial que pudesse publicar a produção nacional independente, os novos autores, dar visibilidade a gente que fica restrita a seus estados, como os produtores de São Luis, Salvador, Porto Alegre, Recife, João Pessoa. E ao mesmo tempo continuar uma produção jornalística, que é o fanzine, com crítica, análise, entrevista.
Daí a editora foi fundada em três linhas: o fanzine
Top Top!, que permanece até hoje; os quadrinhos poéticos, que eu reuni numa revista chamada
Mandala até o início do ano 2000; e a série
Das Tiras Coração, editada com Edgar Guimarães, da revista
Quadrinhos Independentes (QI), em Minas Gerais. Cada publicação seria trimestral, o que daria uma por mês. Isso durou mais ou menos um ano.
E os livros teóricos?Com o tempo, vi que haviam muitos trabalhos acadêmicos sendo feitos por alunos e professores, e que ficavam nas gavetas depois de defendidos. Então eu criei a coleção
Quiosque, onde estes estudos são veiculados. É uma coleção de bolso que já tem 18 números de material nacional e estrangeiro. Até hoje continuo lançando livros teóricos, que é o que tem tido maior repercursão dos trabalhos da editora, porque fundamenta outros trabalhos teóricos.
HISTÓRIA EM QUADRINHOS: ESSA DESCONHECIDA ARTE POPULAR, DO FRANCÊS THIERRY GROENSTEEN - À VENDA POR APENAS R$ 8.Eles representam que parte de sua produção atual?Representam mais de 50%, em vendas e títulos disponíveis. Mais do que os quadrinhos. Os álbuns eu lanço mais pelo capricho do que pela viabilidade.
De onde vem esse interesse acadêmico pelos quadrinhos?Os quadrinhos marcaram a infância de todo mundo. Mesmo quem leu pouco, já passou pelos quadrinhos. E é algo sedutor demais porque mexe com a linguagem própria, que não são as artes plásticas, não é a literatura, é a fusão das duas. Não é cinema, é outra coisa, é outra arte. Isso motiva muita gente. É uma fonte de pesquisa inesgotável.
RISCOS NO TEMPO, DE J. AUDACI: LIVRO-PESQUISA SOBRE A HISTÓRIA DOS QUADRINHOS PARAIBANOSComo funciona a produção dos livros, álbuns e revistas?Produzo conforme a demanda. Todo trabalho é artesanal. Antes eu reproduzia com fotocópias. Mas precisava terceirizar, e não deu pra manter a qualidade. Então comprei uma impressora laser pra fazer o miolo das publicações em casa. Quando vou lançar um livro, faço a capa em off-set, papel cartonado colorido, 200 cópias. E depois faço o miolo conforme a demanda, de 20 em 20 cópias. Todo o trabalho é feito em casa, porque é mais barato para o esquema de pequenas tiragens.
E a divulgação e distribuição?Para divulgar, mando os lançamentos para uma lista de emails, e quando as pessoas acessam o site, acabam se interessando por outros livros. Tem toda uma rede online que faz o círculo de leitores. E cada vez tem mais gente nova procurando a editora, principalmente no meio acadêmico.
Qual a história da Gibiteca Henfil?Foi fundada em 1990, e passou 12 anos no Espaço Cultural José Lins do Rego.
Não tem nada a ver com a gibiteca do Centro Cultural São Paulo, que leva o mesmo nome?Não. A daqui foi fundada antes (risos). Mas tudo bem, Henfil merece várias gibitecas (risos). Ela foi baseada no meu próprio acervo, na minha coleção. Como eu tinha muita revista, muito fanzine, e não dava mais conta do recado, eu disse: vou socializar isso. E abri uma gibiteca. E ela se transformou num projeto de extensão da faculdade. Mas quem menos dava atenção para a gibiteca era o próprio espaço cultural. A gibiteca circulou em todos os lugares de lá, porque a cada mudança de direção eles tentavam acabar com o projeto, dizendo que era um monte de papel velho. E mudavam para um canto cada vez mais escondido. Briguei com todas as diretorias. Até chegar ao ponto em que eu construí um espaço lá dentro, com a ajuda da prefeitura.
Foi tanto descaso que resolvi tirar a gibiteca de lá. Hoje está no departamento de comunicação da UFPB, que é onde eu trabalho. Eu dou aula nela, atendo aos alunos, mas não está aberta ao público.
Quais os planos para ela?É continuar no departamento, e servir de fonte de pesquisa. Vou fundar um núcleo de pesquisa em quadrinhos dentro da gibiteca.
LUGARES (IN) COMUNS, DE JAGUAR - LIBERADO ANTES, CENSURADO DEPOISComo se deu a censura da reedição do livro de Jaguar, Lugares In-Comuns? Pela manhã recebi um telefonema da editora da Desiderata, que foi muito indelicada. O acordo com Jaguar houve, sim, há um ano, quando ele morava em Brasília e novamente agora, em junho, por telefone, antes do anúncio do livro. Depois que lhe expliquei que a Marca de Fantasia não tem fins lucrativos e que não se chocava com os interesses da Desiderata, ele concordou que eu fizesse a edição. Enviei-lhe um exemplar já pronto e um modelo de contrato, onde coloco, inclusive, a forma de pagamento dos direitos autorais.
Só que a Desiderata disse que eu desrespeitei o autor, que fiz a publicação sem sua autorização, que não pago o autor. Um monte de desinformação. Liguei pra Jaguar pra tentar resolver o caso e pedir que ele intercedesse pela Marca de Fantasia junto à Desiderata. Ele foi super ríspido, disse que não tinha autorizado nada, que um ano, desde o primeiro contato, era uma eternidade e que ele não permite, de forma alguma que eu prossiga com a edição. Disse até que não tinha mais tido contato comigo, depois de Brasília. Ora, o endereço dele no Rio foi ele mesmo que me deu, quando lhe telefonei em junho deste ano. Certamente ele sentiu a pressão da Desiderata e resolvel voltar atrás, da pior maneira possível. Em vez de assumir o que disse, tentou me chamar de mentiroso e desonesto. Uma coisa realmente triste.
A coleção
Biografix continua, não vai parar por isso. Estamos em negociação, eu e Wellington Srbek, para a edição de um livro de Nilson, outro de Shimamoto e mais outro de Edson Rontani. Os autores são muito simpáticos com a proposta da coleção e da editora, mas só farei as edições depois de ter todos os contratos assinados.
Na sua opinião, porque hoje há menos revistas em quadrinhos nas bancas do que 20 anos atrás?O quadrinho está deixando de ser um produto de massa para ser uma comunicação dirigida a pequenos públicos. A não ser os quadrinhos de super-herói ou os infantis, que realmente são mercados muito amplos. Mas aí você vê gente que tem uma formação literária forte, que está ligada aos quadrinhos, como o Mutarelli, que faz literatura e faz quadrinhos. É um outro ramo, um outro nível de produção.
Claro que as bancas da minha infância havia mais títulos. Mas a gente ta vivendo uma mudança nos meios de comunicação com a informática e com o cinema baseado na informática. Isso de certa forma tira o público dos quadrinhos. Talvez os quadrinhos estejam se tornando um objeto mais de culto, para um público mais adulto, que vai buscar nas livrarias especializadas o seu livro, o seu álbum. Mas sempre vai haver os quadrinhos de massa. Eles sempre vão existir, como o mangá é um fenômeno que não se esperava que acontecesse. Quando as publicações de super-herói entraram em crise, apareceram os mangás, que vendem mais ainda. Não acredito que os quadrinhos no suporte papel vão se acabar.