quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Entrevista // Henrique Magalhães: "O quadrinho está deixando de ser um produto de massa para ser uma comunicação dirigida a pequenos públicos"

Como surgiu a Marca de Fantasia?
No início, Marca de Fantasia era um fanzine que eu editei aqui em 1985. Quando eu voltei da França, onde fiz meu doutorado de sociologia comparando o modo de produção entre os fanzines brasileiros, portugueses e franceses, achei interessante fazer um projeto editorial, e não apenas um fanzine. Na França vi tanta coisa, principalmente no meio independente, que eu pensei em adotar essa tendência para os produtos locais. Criar o próprio mercado, independente e específico para a produção nacional. E ocupar um nicho de mercado que não era ocupado pelas editoras comerciais. Que era o mercado das livrarias especializadas, que começava a se expandir. Eu tinha dos EUA, eu vi isso crescendo na França. A idéia não era manter um título, mas um projeto editorial que pudesse publicar a produção nacional independente, os novos autores, dar visibilidade a gente que fica restrita a seus estados, como os produtores de São Luis, Salvador, Porto Alegre, Recife, João Pessoa. E ao mesmo tempo continuar uma produção jornalística, que é o fanzine, com crítica, análise, entrevista.

Daí a editora foi fundada em três linhas: o fanzine Top Top!, que permanece até hoje; os quadrinhos poéticos, que eu reuni numa revista chamada Mandala até o início do ano 2000; e a série Das Tiras Coração, editada com Edgar Guimarães, da revista Quadrinhos Independentes (QI), em Minas Gerais. Cada publicação seria trimestral, o que daria uma por mês. Isso durou mais ou menos um ano.

E os livros teóricos?
Com o tempo, vi que haviam muitos trabalhos acadêmicos sendo feitos por alunos e professores, e que ficavam nas gavetas depois de defendidos. Então eu criei a coleção Quiosque, onde estes estudos são veiculados. É uma coleção de bolso que já tem 18 números de material nacional e estrangeiro. Até hoje continuo lançando livros teóricos, que é o que tem tido maior repercursão dos trabalhos da editora, porque fundamenta outros trabalhos teóricos.


HISTÓRIA EM QUADRINHOS: ESSA DESCONHECIDA ARTE POPULAR, DO FRANCÊS THIERRY GROENSTEEN - À VENDA POR APENAS R$ 8.

Eles representam que parte de sua produção atual?
Representam mais de 50%, em vendas e títulos disponíveis. Mais do que os quadrinhos. Os álbuns eu lanço mais pelo capricho do que pela viabilidade.

De onde vem esse interesse acadêmico pelos quadrinhos?
Os quadrinhos marcaram a infância de todo mundo. Mesmo quem leu pouco, já passou pelos quadrinhos. E é algo sedutor demais porque mexe com a linguagem própria, que não são as artes plásticas, não é a literatura, é a fusão das duas. Não é cinema, é outra coisa, é outra arte. Isso motiva muita gente. É uma fonte de pesquisa inesgotável.


RISCOS NO TEMPO, DE J. AUDACI: LIVRO-PESQUISA SOBRE A HISTÓRIA DOS QUADRINHOS PARAIBANOS

Como funciona a produção dos livros, álbuns e revistas?
Produzo conforme a demanda. Todo trabalho é artesanal. Antes eu reproduzia com fotocópias. Mas precisava terceirizar, e não deu pra manter a qualidade. Então comprei uma impressora laser pra fazer o miolo das publicações em casa. Quando vou lançar um livro, faço a capa em off-set, papel cartonado colorido, 200 cópias. E depois faço o miolo conforme a demanda, de 20 em 20 cópias. Todo o trabalho é feito em casa, porque é mais barato para o esquema de pequenas tiragens.

E a divulgação e distribuição?Para divulgar, mando os lançamentos para uma lista de emails, e quando as pessoas acessam o site, acabam se interessando por outros livros. Tem toda uma rede online que faz o círculo de leitores. E cada vez tem mais gente nova procurando a editora, principalmente no meio acadêmico.

Qual a história da Gibiteca Henfil?Foi fundada em 1990, e passou 12 anos no Espaço Cultural José Lins do Rego.

Não tem nada a ver com a gibiteca do Centro Cultural São Paulo, que leva o mesmo nome?
Não. A daqui foi fundada antes (risos). Mas tudo bem, Henfil merece várias gibitecas (risos). Ela foi baseada no meu próprio acervo, na minha coleção. Como eu tinha muita revista, muito fanzine, e não dava mais conta do recado, eu disse: vou socializar isso. E abri uma gibiteca. E ela se transformou num projeto de extensão da faculdade. Mas quem menos dava atenção para a gibiteca era o próprio espaço cultural. A gibiteca circulou em todos os lugares de lá, porque a cada mudança de direção eles tentavam acabar com o projeto, dizendo que era um monte de papel velho. E mudavam para um canto cada vez mais escondido. Briguei com todas as diretorias. Até chegar ao ponto em que eu construí um espaço lá dentro, com a ajuda da prefeitura.

Foi tanto descaso que resolvi tirar a gibiteca de lá. Hoje está no departamento de comunicação da UFPB, que é onde eu trabalho. Eu dou aula nela, atendo aos alunos, mas não está aberta ao público.

Quais os planos para ela?
É continuar no departamento, e servir de fonte de pesquisa. Vou fundar um núcleo de pesquisa em quadrinhos dentro da gibiteca.


LUGARES (IN) COMUNS, DE JAGUAR - LIBERADO ANTES, CENSURADO DEPOIS

Como se deu a censura da reedição do livro de Jaguar, Lugares In-Comuns?
Pela manhã recebi um telefonema da editora da Desiderata, que foi muito indelicada. O acordo com Jaguar houve, sim, há um ano, quando ele morava em Brasília e novamente agora, em junho, por telefone, antes do anúncio do livro. Depois que lhe expliquei que a Marca de Fantasia não tem fins lucrativos e que não se chocava com os interesses da Desiderata, ele concordou que eu fizesse a edição. Enviei-lhe um exemplar já pronto e um modelo de contrato, onde coloco, inclusive, a forma de pagamento dos direitos autorais.

Só que a Desiderata disse que eu desrespeitei o autor, que fiz a publicação sem sua autorização, que não pago o autor. Um monte de desinformação. Liguei pra Jaguar pra tentar resolver o caso e pedir que ele intercedesse pela Marca de Fantasia junto à Desiderata. Ele foi super ríspido, disse que não tinha autorizado nada, que um ano, desde o primeiro contato, era uma eternidade e que ele não permite, de forma alguma que eu prossiga com a edição. Disse até que não tinha mais tido contato comigo, depois de Brasília. Ora, o endereço dele no Rio foi ele mesmo que me deu, quando lhe telefonei em junho deste ano. Certamente ele sentiu a pressão da Desiderata e resolvel voltar atrás, da pior maneira possível. Em vez de assumir o que disse, tentou me chamar de mentiroso e desonesto. Uma coisa realmente triste.

A coleção Biografix continua, não vai parar por isso. Estamos em negociação, eu e Wellington Srbek, para a edição de um livro de Nilson, outro de Shimamoto e mais outro de Edson Rontani. Os autores são muito simpáticos com a proposta da coleção e da editora, mas só farei as edições depois de ter todos os contratos assinados.

Na sua opinião, porque hoje há menos revistas em quadrinhos nas bancas do que 20 anos atrás?
O quadrinho está deixando de ser um produto de massa para ser uma comunicação dirigida a pequenos públicos. A não ser os quadrinhos de super-herói ou os infantis, que realmente são mercados muito amplos. Mas aí você vê gente que tem uma formação literária forte, que está ligada aos quadrinhos, como o Mutarelli, que faz literatura e faz quadrinhos. É um outro ramo, um outro nível de produção.

Claro que as bancas da minha infância havia mais títulos. Mas a gente ta vivendo uma mudança nos meios de comunicação com a informática e com o cinema baseado na informática. Isso de certa forma tira o público dos quadrinhos. Talvez os quadrinhos estejam se tornando um objeto mais de culto, para um público mais adulto, que vai buscar nas livrarias especializadas o seu livro, o seu álbum. Mas sempre vai haver os quadrinhos de massa. Eles sempre vão existir, como o mangá é um fenômeno que não se esperava que acontecesse. Quando as publicações de super-herói entraram em crise, apareceram os mangás, que vendem mais ainda. Não acredito que os quadrinhos no suporte papel vão se acabar.

Um comentário:

jorginho da hora disse...

Muito esclarecedora, essa entrevista. Adorei. Fico triste em saber a situação dos quadrinhos no Brasil.