quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Estreia // O TE(a)TRO de Francis Ford Coppola



Se em certo filme David Lynch declara que no cinema "no hay banda", podemos garantir atualmente que há ao menos um maestro em atividade: Francis Ford Coppola. Em seu novo filme, Tetro (estreia amanhã no Cinema da Fundação), ele assume a regência de uma obra pessoal e instigante, uma tragédia familiar movida a jogos de espelhos que reprocessam, em termos de luz e sombra, a própria biografia do diretor de O poderoso chefão e Apocalipse now.

A imagem é marcada pelo preto e branco cristalino, pontuado sequencias com cores saturadas, parecido com o de gravações caseiras dos anos 1970. Já havia um preto e branco assim em O selvagem da motocicleta (Rumble fish, 1983), inclusive no elogio à índole outsider do personagem principal.

Longe da sofisticação dos grandes estúdios, Coppola seguiu pelos anos 1980 e 1990, com pequenos filmes, nem sempre dignos de apreciação. Tetro faz parte de uma nova fase, marcada pela independência. Aos 70 anos e com a sobrevivência garantida pelos negócios gastronômicos e hoteleiros, Copolla pode filmar com total liberdade, desde que no limite permitido para pequenos orçamentos.


Uma pequena Itália em Buenos Aires

A escolha da Argentina como palco para a família Tetrocini lavar a roupa suja convém por mais de um motivo. Nos últimos anos, é lá que Copolla tem passado parte de seu tempo - ele já declarou que Buenos Aires é tão interessante quanto Nova York, cidade onde cresceu. A capital portenha tem cenários cinematográficos, facilidades e a oportunidade de filmar a baixo custo.

No roteiro de Tetro, o primeiro escrito por Coppola desde A conversação (1974), isso se resolve de forma simples. Imigrante italiano em Buenos Aires, o patriarca Carlo Tetrocini (Klaus Maria Brandauer) fixa residência em Nova York, após sucesso como compositor. Seu filho Angelo (Vincent Gallo), sufocado pela personalidade espaçosa do pai, some do mapa. Anos depois, seu irmão mais novo, Benny (Alden Ehrenreich), o encontra em Buenos Aires como um escritor visceral, conhecido pelo codinome Tetro.

O filme começa nesse ponto e dali se desdobra pelo bairro de La Boca, que recebeu imigrantes italianos fugidos da pobreza no começo do século 20. Há forte presença do teatro, música e dança. Na Patagônia, onde a trama tem seu desfecho, temos duas das cenas mais interessantes, que podem ser chaves de compreensão para o filme.

Numa delas, Tetro ronda um teatro (será daí a origem do nome Te-a-tro?) com um machado na mão enquanto a peça escrita por ele é encenada em festival. A outra, logo depois, é seu encontro com Alone (Carmem Maura), considerada a maior crítica da América do Sul. Ela pretende premiar sua peça como a melhor do festival. A rejeição - ele não admite fazer de sua dor um espetáculo - aponta para a postura do próprio diretor com relação ao sucesso comercial versus realização artística e pessoal. Na flor dos 70 anos, um belo manifesto de rebeldia e amor ao cinema.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2011)

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