quarta-feira, 29 de abril de 2009
Entre a política e o espetáculo - lições de cinema de Costa-Gavras
Foto: Daniela Nader
A noite de abertura do Cine PE entrou para a história como a mais importante de todas as edições do evento. O motivo foi a presença do cineasta Constantin Costa-Gavras, que apresentou, Eden a l'ouest, filme em que dedica seu olhar contundente e perspicaz ao problema dos imigrantes ilegais na Europa, retratada como um paraíso para poucos.
Ontem, ele concedeu entrevista coletiva, que contou com participação ativa de sua mulher, a produtora Michelle Gavras. Entre declarações sobre opções estéticas, políticas e o futuro do cinema, uma curiosidade: o diretor conheceu o ex-governador Miguel Arraes em seu exílio na Europa. Além disso, não é a primeira vez que o cineasta visita Pernambuco. Gavras visitou o estado para pesquisar um personagem real aproveitado no filme Estado de sítio (1973) e, depois, em 1990, numa escala para o Chile. Não bastasse, Michelle revelou à imprensa um segredo de família: "tenho o sonho de que Costa faça um filme sobre sua origem na Grécia".
Os melhores momentos, transcritos a seguir, também servem de provocação para convocar o público para a sabatina a ser promovida por jornalistas da Folha de São Paulo hoje, às 15h, no Recife Palace Hotel (inscrições pelo e-mail eventofolha@grupofolha.com.br). A agenda do cineasta ainda conta com uma visita, às 9h, ao ensaio da Orquestra Cidadã dos Meninos do Coque. Gavras já pensa em colaborar com o projeto. Às 18h, ele será recebido no Palácio das Princesas pelo governador Eduardo Campos e família, com quem Gavras deve trocar boas histórias.
Formação política
Minha formação é literária e cinematográfica. Quanto à formação política, essa se deu com a vida. Vivi num país ocupado por nazistas, que depois passou por uma tremenda guerra civil, a guerra fria e suportou governos conservadores e ditatoriais. Quando fui para a França, descobri uma forma de liberdade que não conhecia. Encontrei pessoas que faziam oposição política de forma clara e precisa, sem dogmatismo. Sempre me interessei na forma como um sistema político maneja os civis. Enquanto estudava cinema, parecia que isso era algo que faltava nos filmes. Poderia me dedicar a fazer filmes românticos, mas acho que, de uma forma ou outra, todos os filmes são políticos.
Miguel Arraes
Tive uma relação próxima com Miguel Arraes. Em 1990, quando acompanhava uma delegação francesa no transporte dos restos mortais de Salvador Allende até Santiago, paramos no Recife por algumas horas e encontrei o governador. Ele falou mais comigo do que com os ministros franceses! Sem dúvida, havia uma relação interessante entre nós.
Eden à l'ouest
É um filme muito pessoal. Não chega a ser biográfico, pois sou um imigrante que chegou à França legalmente. Hoje a imigração ilegal é um problema enorme. É muito importante tomar partido. O tema já gerou muitos filmes, todos dramáticos. Quis colocar o problema de uma forma diferente, mais cotidiana, e mesclar o drama com um ritmo frenético. Jaques Tati disse que, para fazer comédia, basta retratar a sociedade como ela é. Quis fazer isso em O corte (2005) e me pareceu indispensável utilizar o mesmo recurso para tratar da imigração. Me pareceu mais positivo. Essa gente pode criar uma nova cultura e quis apresentá-la de forma adequada, pois a história de Elias (o protagonista), é a história de nós mesmos, da nossa sociedade.
Mídia e terrorismo
Hoje a palavra terrorismo é usada pela mídia de diferentes formas. Penso que é preciso refletir sobre o que isso significa pois, algumas vezes, é algo necessário. Claro que da forma praticada no Oriente Médio é algo negativo. Mas numa sociedade onde não há possibilidade de mudança da forma democrática, provavelmente a única maneira de fazê-lo é pelo terrorismo.
Ideias x entretenimento
Penso o cinema como um espetáculo. Não vamos ao cinema para receber lições políticas ou universitárias, vamos pelo sentimento. Para chorar, rir, odiar, amar. Tudo isso é ligado à vida cotidiana. Claro que a utilização do thriller, por exemplo, não é sempre necessária. Pode "matar" o conteúdo político e social e dar ao filme uma direção distinta do objetivo inicial. Por isso, Estado de sítio começa com a morte do personagem, o que acabou com um suspense desnecessário.
Novas linguagens
A cada nova tecnologia, o cinema muda muito esteticamente. Não podemos desconsiderar a influência da televisão e o advento da linguagem do videoclipe. Hoje, a capacidade dos espectadores seguir as elipses (recurso que faz cortes abruptos de tempo/espaço) é muito maior. Isso muda o estilo de se fazer um filme. Agora entramos em um novo paradigma, que é o digital, o que mudaa economia, a estética e a forma de apresentar um filme para o público. Essa é uma facilidade que esconde um perigo, pois pode aumentar a concentração de poder na exibição de filmes. Mas pouca gente sabe o que está por vir.
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