sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Lourenço Mutarelli traz arte múltipla ao Recife
André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com
A influência mútua entre literatura e quadrinhos volta à pauta da programação do Festival recifense de literatura - A letra e a voz, promovido pela Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife. Para discutir essa relação cada vez mais íntima e seus possíveis desdobramentos, o evento promove a mesa Literatura quadro a quadro, com participação de Lourenço Mutarelli, João Lin e Artur Rogério. O encontro está marcado para amanhã, às 15h, no auditório da Livraria Cultura (Paço Alfândega).
Entre outras considerações, João Lin deve trazer à mesa sua experiência em editar a Domínio Público, coletânea de contos adaptados para os quadrinhos, que acaba de ganhar nova edição pela editora paulista DCL (veja matéria abaixo). Por sua vez, Artur Rogério representa o Nós-pós, promissor coletivo da nova geração da literatura recifense. Logo após o debate, Mutarelli autografa A arte de produzir efeito sem causa (Companhia das Letras), terceiro romance de uma carreira que começou nas artes gráficas e hoje se estende à seara cinematográfica, inclusive como ator principal da adaptação de seu primeiro livro, O Natimorto, transformado em comédia noir pelo diretor Paulo Machline.
O novo livro do autor de O cheiro do ralo conta a história de um homem que abandona a família e o emprego para se hospedar na casa do pai. O elemento autobiográfico é pressentido na semelhança do protagonista com o autor: ambos têm 43 anos e foram batizados com o nome do pai. Em entrevista ao Diario, o autor confessa que, apesar de utilizar cenas e detalhes reais como matéria prima, os dois "Júnior" vivem momentos diferentes.
Na ficção, "Sênior" se preocupa com "Júnior", que desenvolve a afasia, grave doença degenerativa que aos poucos acaba com a capacidade cognitiva, principalmente de pensar e compreender as palavras. "Me inspirei em William Burroughs, que tinha em sua obra uma tentativa em destruir a linguagem". Isso se traduz visualmente no próprio livro, na presença de estranhos gráficos desenhados porJúnior / Mutarelli com caneta esferográfica azul. As interferências visuais instigam e comprometem um bocado o conceito convencional de diagramação.
Apesar do reconhecimento obtido no mundo dos quadrinhos, Mutarelli não pretende voltar à atividade, com ressalva para trabalhos puramente experimentais e sem a rigidez dos prazos editoriais. "Estava me tornando um profissional, tinha que entregar uma HQ por ano", justifica o escritor. "A literatura abriu outras portas para mim. Eu já estava cansado de fazer quadrinhos, então não foi difícil parar". Claro que as chuteiras (temporariamente?) penduradas não o impedem de falar sobre o assunto. "Minha literatura é fruto das histórias em quadrinhos. Aprendi a escrever com síntese por causa do espaço pequeno dos balões, a descrever um cenário com poucos elementos. Até a forma de abordar e aprofundar os personagens é influenciada por esse universo".
Esse texto radicalmente condensado, principalmente nos diálogos, estabelece um ritmo que encontra paralelo não somente nosquadrinhos, mas nos roteiros de cinema, o que faz deste A arte de produzir efeito sem causa um produto atípico e potencialmente renovador do fazer literário.
Serviço
A arte de produzir efeito sem causa, de Lourenço Mutarelli
Editora: Companhia das Letras
Preço médio: R$ 39,50
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