domingo, 14 de outubro de 2007

Quadro Mágico entrevista RAL: "o Pasquim foi o meu curso superior"



Quais quadrinhos você lia quando criança?

Gostava de Cavaleiro Negro, Batman e Tarzan. Dos outros, o estilo desenho não me agradava, mas as histórias sim: Brucutu, Perdidos no Espaço... gostava das tirinhas, essa coisa da seqüência.

Você já gostava de desenhar naquele tempo?
Meu irmão desenhava bem, e eu comecei a imitá-lo. Ele fazia revistinha no caderno da escola, ou no papel de pão. Ele pedia na padaria, e desenhava histórias completas. Com 13 anos, fiz um curso de desenho, em Arcoverde (interior de Pernambuco). Meu irmão, não. Ele já estava adolescente, e queria outras coisas. Vi o anúncio oferecendo o curso: Escola Pan-americana de Arte, “o curso dos famosos artistas” (risos). Entre eles tinha Ziraldo. Nem sabia o que era cartum, queria ser desenhista de quadrinhos. Mandava trabalho, e eles avaliavam, até receber o diploma. Em 1966, minha família resolveu se mudar para o Recife, e eu resolvi tentar a minha área.

Então você começou cedo.
É, foi uma aventura. Em 1968, com 17 anos, fui colaborador do Jornal do Commercio, tentando cavar um local pra mim.Eu acreditava em outra coisa. Meu irmão começou a trabalhar em seguro, área administrativa, minhas irmãs foram ser professoras. Nessa época, a pressão era pra deixar de desenhar, e procurar um emprego, coisas que dão dinheiro. Mas eu vivia freqüentando uma banca de revista de um tio meu. Um dia, vi uma que tinha um tipo de concurso pra publicar na revista deles, da editora Edrel (Editora e Distribuidora de Livros e Revistas, de São Paulo). Na época nem chamava de cartum, era do tipo “anedotas e piadas”. Mandei o material dentro do estilo, aquela coisa mais do humor pelo humor, só pra fazer graça. E consegui entrar como colaborador, trabalhando daqui. Fiz um pezinho de meia.

Quando a Edrel fechou as portas, fiquei de novo num mato sem cachorro (risos). Tive que procurar outra alternativa além do cartum. Aí procurei meu amigo Ivan Maurício, que tinha uma publicação alternativa chamada Resumo, e comecei a publicar por lá. Depois, conheci um amigo dele, um psicólogo chamado Ronaldo, que me indicou pra uma agência de publicidade. Peguei também o trabalho publicado na Edrel, e consegui publicar na coluna de um jornalista chamado Paulo Fernando Craveiro, que trabalhou muito tempo na imprensa. Depois eu o encontrei já no Diário de Pernambuco, quando fui editor de arte.

A partir de quando foi isso?
Em 1995, quando entrei no Diario como ilustrador, não existia setor de arte. Era só o departamento comecial, que fazia os anúncios, e um infografista chamado Júnior. Em 1997, Ivan Maurício deu esse empurrão e criou o setor. Me chamou, chamou Júnior, e eu chamei João Lin. Lá de dentro, consegui tirar Paulo Brasil, que ainda hoje trabalha lá. Fiquei no Diario até 1998, quando Mascaro ainda era estagiário. Daí passei três meses na Folha de Pernambuco, e de lá fui pra Gazeta Mercantil. Não deixou de ser escola, já que não existia escola de desenhista.

E no Pasquim, como você entrou?
Graças ao sustento que ganhava fazendo jornais institucionais, pude colaborar com cartuns para o Pasquim. O Pasquim eu também conheci nessa banca do meu tio. Um dia eu tava lá, e chegou um jornal estranho, com uma entrevista com o Ibrahim Sued. O Pasquim foi a minha escola. O primeiro grau foi o curso de desenho; o segundo foram os jornais locais; o Pasquim foi o meu curso superior (risos). Foi quando comecei a fazer as coisas com uma noção maior de engajamento.


CAPA DO PASQUIM NÚMERO 1

Você colaborou com o Pasquim estando o tempo todo no Recife?
Sim. Eu visitei uma vez a redação do Pasquim no Rio de Janeiro. Fui pro Rio com meu material de quadrinhos pra ver se publicava um livro, intitulado Know-RAL. Não consegui, mas conheci Ziraldo, Jaguar, Millôr...(risos). Logo depois, quem chegou foi José Lewgoy. Presenciei a secretária chegando com um pacote de envelopes com o material censurado. Eles ficaram indignados.


RAL AO LADO DO BOI MISTERIOSO, SUA CRIAÇÃO MAIS FAMOSA, E QUE GANHOU UM BONECO GIRATÓRIO NO FIHQ

Qual é a história do Boi Misterioso?
Mais uma vez, Ivan Maurício (risos). Ele estava como editor do Diário da Noite, mantido pelo Jornal do Commercio – que era um Folha de Pernambuco da época. Ele chamou a mim, Paulo Santos e Bione, e disse: “vocês vivem reclamando que não tem espaço pra publicar tira. Então vamos publicar”. Nenhum deles fez, e então pensei: “é a minha chance”. Comecei a rabiscar, pensando no bumba-meu-boi que eu via no interior, e pensei: “é um bom personagem”. Mas eu não sabia a parte toda do folclore do boi. Um dia estava conversando com Ivan, e ele tinha um livro de Hermilo Borba Filho com uma parte só sobre isso. Eu peguei o livro – nunca mais devolvi (risos) – e comecei a ver os personagens: o Capitão, a Catirina, dá pra fazer uma brincadeira com isso. E já que estávamos na ditadura, coloquei o Capitão como a autoridade, e o Boi como o povão. Apesar do bumba-meu-boi original ser bem colorido, lá embaixo está alguém, uma pessoa pobre, oculta. Pensei: “vou colocar isso pra frente: o boi vagabundo, com a roupa remendada”.

Quais são seus novos projetos?
Eu acho legal o blog, porque não precisa de editor pra distribuir, não é? (risos) Comecei, mas não amarrei, porque se não alimentar, não tem graça. Quando tiver alguma coisa nova, publico (nota: a entrevista foi feita antes de RAL lançar o blog). Para o ano que vem, pretendo reunir meu trabalho em antologia. Uma vez fiz uma aposta com Clériston*, pra ver quem fazia um livro primeiro. Somos dois preguiçosos!

* Antonio Clériston, autor do projeto HQCD: e o som virou quadrinhos, e chargista diário da Folha de Pernambuco.

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