segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Borat, o fenômeno


“Veja a verdadeira America”, diz o trailer promocional do mais novo filme da Fox, “Borat”, recorde de bilheteria nos EUA, proibido na Rússia por ser “potencialmente ofensivo a grupos étnicos e religiosos” e indicado ao Oscar 2007 de Melhor Roteiro Adaptado.

Concebido para parecer um documentário de quinta categoria produzido pelo Ministério da Informação do Cazaquistão, o longa-metragem pertence à categoria de humor televisivo chamado de mockumentary, ou seja, ficção que simula um documentário, geralmente no formato de comédia. Nos anos 70, por exemplo, o grupo inglês Monty Python filmou a história dos Rutles, uma paródia dos Beatles, intitulada “All You Need is Cash”.


E é justamente com os bons e velhos comediantes do Monty Python que o ator inglês Sacha Baron Cohen está sendo comparado. Ele interpreta Borat Sagdiyev, “o segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão”, uma improvável encarnação do preconceito em torno de moradores de países do antigo bloco soviético.


Fascinado pelos "U,S and A", Borat é patrocinado por seu governo para trazer “aprendizados culturais” sobre a vida nos EUA, e assim melhorar como nação. Apaixonado pela ex-atriz pornô Pamela Anderson assim que a vê pela TV do hotel, Borat cruza o país de New York a Los Angeles, entrevistando e aprendendo sobre o “país número 1 no mundo”.


Assisti ao filme semana passada, e dá pra dizer que ele supera o conceito estrito de ficção, já que os depoimentos filmados como reação aos absurdos que Borat diz e faz, revelam algo mais do que qualquer documentário dito sério. Há de convir: num documentário, todo entrevistado tende a se mostrar melhor do que realmente é.

Em Borat, ocorre exatamente o contrário. O Cazaquistão é retratado como um país sujo, ignorante, machista (todas as mulheres são prostitutas), parado no tempo. Sua televisão é estatal, e reproduz a estética e os clichês soviéticos. De acordo com uma notícia da BBC , o governo cazaque protestou contra o filme, mas mudou de idéia desde que a procura turística mundial aumentou em 300% depois de Borat.

É difícil de entender, mas os americanos que cruzaram o caminho do aloprado Borat realmente caíram na pegadinha, e atuaram muito mais naturalmente do que se a mesma “entrevista” fosse feita por um conterrâneo. O resultado é uma coleção de “pérolas” do preconceito e alienação dos americanos para com o resto do mundo. Assim, pateticamente orgulhosos ou caridosos com o aprendiz estrangeiro, os americanos revelam a contradição entre seu discurso politicamente correto e a prática tacanha e conservadora baseada na homofobia, intolerância, sexismo, puritanismo e xenofobia.

Só para ilustrar, Borat consegue fazer o pessoas em um bar country cantar que o país será melhor sem judeus, assim como o público de um rodeio aplaudir o genocídio no Iraque.

Mockumentary ou não, é curioso perceber como o documentário vem optando por assumir formatos que até pouco tempo território exclusivos da ficção. Dez anos atrás, um documentário era um gênero, com pouca variação ou experimento de linguagem entre um e outro título mais ousado. Hoje existem alguns nas estantes de filme noir, de terror, drama social, comédia. Nesse sentido “Borat” é uma bela comédia anti-EUA, tremendamente irônica e anárquica, apesar dos momentos de excessivo besteirol, e um terrível documentário sobre quem vive na maior potência mundial.

Por fim, parece brincadeira, mas pela primeira vez na história, um filme do Cazaquistão, o épico Nomad, concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

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