segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Festival de Gramado // A periferia fala alto


Caio Blat e Jonathan Haagensen em Bróder, de Jefferson De

Na turística Gramado, em que até a água mineral é indexada em euro, filmes de periferia falaram mais alto nos dois primeiros dias de festival. Bróder e 5x Favela - agora por nós mesmos apontam para o humano e o desumano, dentro e fora da favela. E reafirmam o instinto documental como o que há de melhor no atual cinema de ficção brasileiro. Os filmes monopolizaram os prêmios do último Festival de Paulínia. Em competição em Gramado, Bróder deve levar alguns Kikitos.

Na sexta, noite de abertura, o frio no tapete vermelho fez tremer os ossos do esparso público munido de câmeras nas grades de contenção. A temperatura oscilou entre 5ºC e 7ºC. Mesmo assim, houve assédio popular aos famosos Iran Malfitano, Cássia Kiss, José de Abreu, Tuca Andrada, Carla Marins, Virgínia Cavendish, André Arteche, Malu Galli, Laila Zaid e Jonathan Haagensen. Revelado em Cidade de Deus, Haagensen se destaca em Bróder como o jogador de futebol Jaime, que saiu da periferia de São Paulo para jogar na Espanha.

Com roteiro de Newton Cannito,fotografia de Gustavo Hadba (um pouco prejudicada pela projeção) e produção de Cacá Diegues e Daniel Filho, Bróder narra o reencontro de três amigos no Capão Redondo e é uma das apostas do ano no cinema nacional. Estreia em novembro no circuito nacional, logo depois de Tropa de Elite 2. Além de Haagensen, Caio Blat, Sílvio Guindane e Cássia Kiss fazem ótimas atuações.

Na coletiva para a imprensa, surgiram comparações entre Jefferson De e o Spike Lee de Faça a coisa certa (1989). Outras influências confessas do diretor são Martin Scorsese e Mathieu Kassovitz. "Spike Lee tem vida fácil. Nos EUA, branco é branco, preto é preto, judeu é judeu, viado é viado. Aqui a discussão é mais complexa. No filme, a questão da cor só tem importância quando eles saem do Capão e vão para o centro. Eu mesmo só comecei a ter cor quando saí da periferia de Taubaté e fui pra universidade", disse o diretor, que estreia no formato de longa duração, quer filmar a história de Ronaldinho Gaúcho e não esconde o desejo de disputar uma vaga ao Oscar 2011 com Bróder.

Exibido em seguida, o longa gaúcho Enquanto a noite não chega voltou a esfriar os ânimos da platéia. Baseado na memória (representada por sequências de arquivo em película 35mm) e na solidão de um casal de idosos traumatizados pela Guerra do Contestado, o filme foi apresentado pelo diretor Beto Souza como um drama não tão evidente, de "atmosfera". E a primeira produção em tecnologia digital 4k a ser exibida simultaneamente, por fibra ótica, em três países diferentes. Pena que, enquanto filme, é mal resolvido.

No sábado, a mostra competitiva não empolgou. À procura de ideias próprias, o documentário uruguaio Ojos bien abiertos só fez reproduzir ideias prontas da nova esquerda latino-americana. Com depoimentos de Eduardo Galeano, o filme tem o mérito de contextualizar episódios recentes, como o da expulsão do embaixador norte-americano na Venezuela. Já a narrativa não-linear de 180º, de Eduardo Vaisman, só fez abusar da paciência dos que ainda restavam na sala. O melhor programa do dia foi o argentino Dois irmãos, que abriu a Mostra Panorama. Opostos, os protagonistas vivem na velhice um dolorido mas redentor processo de reconciliação familiar. Faz lembrar que filmes simples podem ser os mais eficientes.

(Diario de Pernambuco, 09/08/2010)

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