quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Carta ao pai emociona em Gramado



Cauã Reymond causou rebuliço na imprensa televisiva e fez meninas em busca de autógrafos serem barradas na porta da sala de exibição do Palácio dos Festivais. Ele esteve em Gramado na noite de segunda-feira, para promover o longa Não se pode viver sem amor, de Jorge Durán. Em competição, o filme já foi exibido no último Cine PE, de onde saiu com o prêmio especial do júri.

No entanto, o melhor programa da noite foi Mi vida com Carlos, documentário absolutamente pessoal do chileno German Berger sobre os anos de ferro da ditadura de Pinochet. Longe do tom panfletário, o filme se estrutura como uma carta escrita por Berger ao pai que nunca conheceu. Filho de imigrantes judeus fugidos do holocausto nazista, Carlos Berger foi um dos presos políticos assassinados em 1973 pelas chamadas Caravanas da Morte. Fatos históricos são ilustrados com imagens de arquivo. A fotografia de Miguel Littin (filho do famoso cineasta chileno), movimentos de câmera e montagem fazem delicado contraponto à gravidade do assunto.

"Decidi ser cineasta para enfrentar meus medos e dores. Mas foi nascimento de minha filha que desencadeou este filme" disse Berger. "Littin, que também é o roteirista, me convenceu a abrir minha memória e romper o silêncio". A advogada Carmem, mãe do diretor, tem sido liderança ativa para que a justiça seja feita no Chile. "A classe política chilena promoveu a desmemória. Isso impede a construção de um futuro auspicioso para o país". Na Europa, o filme foi exibido na Espanha e na França, onde foi introduzido por Constantin Costa Gavras (Estado de sítio). Apesar de não haver planos de distribuição, Mi vida com Carlos precisa ser mais visto no Brasil, não apenas por ser bom filme, mas pela estranha tendência que temos para esquecer os crimes da ditadura militar.

Curtas - O consenso sobre a primeira noite da mostra competitiva de curtas é que o programa ficou a desejar. A exceção foi a estreia de Ninjas, apresentado pelo produtor como uma "orgia de horror e atrocidades, não um filme brasileiro de terror, mas um filme de terror brasileiro". Estrelado por Flávio Bauraqui (5xFavela), a obra de Dennison Ramalho, gaúcho radicado em Nova York, fez um exercício de gênero em cinemascope, em que um policial evangélico é perseguido pelo fantasma de um menino que, por acidente, ele matou. Somadas à trilha sonora, cenas de tortura física e um Jesus Cristo com o intestino à mostra fazem de Ninjas o filme mais "Ozzy" do festival.

Em sua primeira exibição fora do estado, A minha alma é irmã de Deus não contou com a presença da diretora, Luci Alcântara, ou do escritor Raimundo Carrero, que divide com Luci a produção e roteiro adaptado do livro vencedor do prêmio São Paulo de Literatura. Apesar da bossa pop que os gaúchos adoram, o trabalho não foi compreendido e provocou estranhamento. Difícil converter literatura em cinema.

(Diario de Pernambuco, 11/08/2010)

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